Cada Primeiro de Abril parecia um dia único. E não só para as crianças. A expectativa era grande, maior até, provavelmente, do que a das vésperas do Natal. A jornada começava cedo, vasculhando nos títulos dos jornais, nos noticiários da rádio ou da televisão, na conversa do vizinho, a mentira pela qual tanto se aguardara. O embuste fazia parte do jogo e era mais saboroso se parecesse verosímil, ou pelo menos incerto, podendo ser mantido até à manhã seguinte sem que alguém tivesse a coragem de o desmentir. Mas será mesmo que…? A 2 lá vinha então o anúncio, também esperado, revelando a extensão da burla e confirmando, quase sempre com um certo pudor, que quem por ela se deixara envolver o não tinha feito por ignorância ou burrice, mas por cumplicidade ou distracção.
Assim foi durante bastante tempo, não se sabe até quando. É provável que tudo tenha começado a mudar algures nos anos oitenta. E na década seguinte já o Dia das Mentiras tinha deixado de ser aquilo que fora. Não por se perder a magia do engano, mas por este se haver vulgarizado, deixando de corresponder a um estado de excepção. A velocidade e a imprevisibilidade da mudança, a generalização do boato e da imprecisão, o uso jornalístico da possibilidade com um tratamento análogo àquele conferido ao facto, a criação da «inverdade», a manipulação dos acontecimentos pelas manchetes, banalizaram a boa e calorosa trapaça. Por isso o Primeiro de Abril não será mais o que foi: um dia diferente em que a mentira participava, a mentirola divertia, a mentirinha não aborrecia e o engano acendia a imaginação.