Retomo a série de livros deixados para trás e que num destes finais de semana recuperei do silêncio. Volto aos sublinhados a lápis e dou de frente com um outro eu (ainda assim, lá muito no fundo e limpando bem a poeira, provavelmente o mesmo).
Alexandre Serafimovitch, A Torrente de Ferro [Edições Maria da Fonte, 1977]
Acreditava que, dada a data da edição portuguesa, já me teria chegado no refluxo da crença total num modelo finalista de evolução da humanidade e na dimensão redentora da Revolução de Outubro. Mas afinal parece que este romance-panfleto, publicado pela primeira vez em 1924 por A. Serafimovitch (1863-1946), um antigo cossaco reconvertido em jornalista e escritor que o regime soviético elevou aos limites da fama e das honras públicas, ainda tocava uma qualquer corda sensível.
«Os homens transmitem uns aos outros, palavras, fragmentos de frases tomadas aos oradores, sem saber muito bem o que dizem, mas sentindo que, separados do mundo pelas estepes imensas, pelas montanhas intransponíveis, pelos bosques espessos e obscuros, realizaram, na parte modesta que lhes cabia, o mesmo que se executava na Rússia, aos olhos do mundo inteiro, sem qualquer ajuda. Realizaram-no eles, sozinhos. Não o compreendem bem. Sentem-no e não sabem exprimi-lo.
Os oradores sucederam-se e falaram até sobrevir o azul do crepúsculo. Gradativamente, crescia em todos um sentimento de felicidade impossível de conter: o sentimento do vínculo novo que os unia com aquela imensidão tão conhecida e tão ignorada de todos, que se chama a Rússia dos Sovietes.»