Circulam ventos contraditórios. Em sociedades bloqueadas e em estado crítico como aquela em que vivemos, a indiferença e a indignação crescem de forma rápida e significativa. Nada garante no entanto que elas não possam encontrar-se. E que desse encontro não resulte, como já aconteceu no passado, algo que pouco ou nada tenha de bom.
A multiplicação das manifestações, dos movimentos, dos blogues, das petições, dos acampamentos em praças, dos grupos activos nas redes sociais, engana um pouco. Ela congrega um grande número de pessoas, sem dúvida. E aquilo que estas fazem é importante, tem quase sempre motivos fortes e compreensíveis, mas nem por isso elas deixam de constituir uma imensa minoria. À lógica da indignação, ainda há pouco gritada pelo veterano Stéphane Hessel, sobrepõe-se então a dinâmica negativa da indiferença, associada ao desânimo e por vezes à depressão. Basta sair do círculo activista e falar com jovens universitários, para ver como a generalidade permanece desinteressada, se não ignorante, das dinâmicas da mudança e das possibilidades de redenção. A energia negra do neoliberalismo anestesiou as consciências, enquanto uma democracia pobre instalou a convicção de que cada um se deve procurar desembaraçar por si, de que as dinâmicas solidárias são um mal ou mesmo um perigo, de que a política é uma selva povoada de oportunistas e de que é impossível fazer alguma coisa contra isso.
Mas a própria indignação pode concorrer para o mesmo efeito de recusa e desinteresse quando ela sucede aos repelões, sem um sentido coerente, repetindo-se nos rituais auto-celebratórios dos pequenos grupos que a promovem. Falando em nome de todos mas para dentro de um círculo fechado. Desta forma, é facilmente isolada pelo poder, abandonada ao sol e à chuva, até que os meios de comunicação se cansem e os próprios activistas reconheçam que têm à sua espera urgentes problemas pessoais para resolver.
Esta situação pode ocorrer principalmente quando estes movimentos se procuram substituir às instituições tradicionais e aos processos da democracia representativa, recusando-se a aceitá-las, até a dialogar com elas, e sobretudo a ter em conta os eleitores reais que a estas outorgaram a autoridade. Em vez de serem um complemento importante, um reforço significativo da democracia, podem transformar-se antes num factor de divisão e de diluição da cidadania. No jornal alemão Die Zeit, um editorialista comentou estes movimentos como grupos de «cidadãos em cólera» que vêem muitas vezes a sua legítima indignação, o seu justo protesto, ser apropriado pela direita, que os utiliza então para amedrontar o eleitor comum e requerer o seu voto. Neste sentido, podem tornar-se sintomas de um tempo pós-democrático que nenhum daqueles que os integra decerto previa ou deseja.
O filósofo basco Daniel Innerarity fala de uma «função conservadora da indignação» que a aproxima da indiferença, juntando-as num caldeirão borbulhante dentro do qual se cozinha o autoritarismo. Ainda que recusando de todo o exagero deste género de análise, parece-me sensato que a indignação não se banalize, não se feche, não se deixe manipular por ficar demasiado presa à rigidez dos princípios, à teatralização da ira, às dinâmicas do grupo irredutível de activistas. É que, do outro lado, os indiferentes avançam entretanto, como zombies, de boletim de voto na mão.