É cada vez maior o número de trabalhos sobre a história recente – a nossa e a dos outros – que recorrem ao depoimento oral como fonte absolutamente decisiva. A tendência não é nova, uma vez que se tornou patente já em meados do século XX quando a irrupção prática e metodológica da abordagem histórica do presente forçou a uma revisão do pressuposto, ainda dominante entre as duas primeiras gerações da Escola dos Annales, segundo o qual um corte com o passado seria garantia essencial para se chegar a um conhecimento seguro do passado. Esta legitimação da oralidade não foi, de início, nada consensual entre a comunidade dos historiadores, para quem os testemunhos, materializados em entrevistas necessariamente mediadas pelo investigador, eram por vezes considerados fantasiosos e tomados como factor negativo de «subjectivação do passado». Jogando um papel decisivo neste processo, os primeiros estudos sobre a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto cedo mostraram que, ao contrário, esse instrumento representa uma forma de recuperação do vivido que nenhum outro documento, seja ele um diário, um relatório, um livro ou uma imagem, está em condições de colocar à disposição dos investigadores e dos leitores.
Claro que só por si as entrevistas, apesar de seguirem processos próprios diferentes dos usados pelos jornalistas, não permitem desvendar «o que realmente aconteceu». Marcado por uma profunda subjectividade, envolvido nas armadilhas que a memória individual ou colectiva inevitavelmente prega, o testemunho oral requer um esforço particular de comparação, entre as vozes dos diferentes actores e o conhecimento obtido por outras vias, que torna difícil o trabalho do historiador. Mas ao mesmo tempo abre caminho a áreas inexploradas que ajudam a evitar o apagamento. A argentina Maria Inés Mudrovcic refere-se-lhe como «o principal meio para o registo das experiências vividas pelos sectores marginais», mas a estes podemos juntar, entre muitos outros, as vítimas e os silenciados dos processos de repressão impostos pelos regimes totalitários – veja-se o excelente e minucioso trabalho de registo levado a cabo, após a queda do Muro, pelos historiadores do «socialismo real» e do Gulag soviético –, bem como os participantes dos teatros de ocupação ou de guerra e os esquecidos por uma história contada apenas na perspectiva dos vencedores.
Em Portugal, são agora, por esta via, as vozes dos ex-militares da guerra colonial, dos emigrantes, dos trabalhadores rurais, da gente raiana, dos colonizadores do império, dos resistentes, dos activistas estudantis, dos presos políticos, dos militantes da oposição ao Estado Novo, que nos começam a chegar, de maneira cada vez mais abundante, em livros, filmes, documentários ou páginas da Internet. São elas que estão a libertar do esquecimento ou do descaminho, ao qual de outra forma estaria condenada, uma parte substancial da nossa memória colectiva, ajudando a História a seguir de maneira dinâmica e ousada por trilhos ainda frescos.