Enquanto bebia um café na esplanada interior de um centro comercial, reparei num daqueles quiosques dedicados à compra instantânea de ouro usado que se têm multiplicado às centenas por cidades e vilas. Ainda há poucos anos, quando alguém procurava negociar uma peça no circuito das ourivesarias, era habitual levantarem-lhe uma série de obstáculos, na presunção de que quem vendia poderia ser um viciado no jogo entretido a dissipar o património familiar, ou mesmo um vulgar ladrão à procura de receptador. Agora vemos homens e mulheres com um ar desgostoso e invariavelmente envergonhado mas com aquele aspecto limpo e cuidado de quem ainda há pouco tinha dinheiro suficiente, esperando a sua vez junto a pequenos balcões públicos, expostos sem piedade aos olhares dos outros, para se desfazerem do fio, do medalhão, das libras «da rainha Vitória», do pesado relógio de bolso, que ao longo de gerações os seus antepassados compraram com esforço, exibiram com orgulho e guardaram para os que haviam de vir. «Vão-se os anéis, fiquem os dedos», pensarão como autoconsolo no meio da aflição e do pessimismo. O corte profundo com o passado e com aquilo que em tempos se presumia serem os «valores seguros» da prosperidade é também uma consequência desta espiral do empobrecimento que já não se observa apenas nos bairros periféricos e nos concelhos decadentes do interior.