Quem se interesse por perceber o percurso dos velhos sixties, superando a visão nostálgica ou aquela que se lhe opõe, tomando-os como um desperdiçado tempo de desordem e retrocesso, ouviu por certo falar de um livro chamado The Making of a Counter-Culture, subintitulado Reflections on the Technocratic Society and Its Youthful Opposition, e que foi publicado logo em 1969, ainda os sons de Woodstock ressoavam vagamente pelos ares. Nesta obra, como tantas outras mais citada do que lida, o professor californiano Theodore Roszak abordou a origem americana, rapidamente alargada aos ambientes urbanos das sociedades dos países capitalistas avançados, da contracultura como ferramenta da ruptura e da contestação cultural, e como instrumento de rejeição da tirania imposta pelo sistema educativo e pela autoridade familiar produzidos pelo triunfo histórico do capitalismo.
Ela nasceu do dropping-out, esse acto brusco e voluntário de cortar com os estudos ou com as regras habituais da vida familiar e profissional, então emergente como meio de protesto, de projecção uma vontade inquebrantável de fugir a uma organização social considerada asfixiante. Dos primeiros beatniks aos protagonistas de Easy Rider, um novo mito da estrada, da viagem, desenvolveu-se como desejo de ultrapassagem de fronteiras que já não eram meramente geográficas mas antes sociais, morais e, acima de tudo, vivenciais. O universo contracultural haveria, no entanto, de definhar rapidamente quando muitos dos seus actores passaram a conviver e a pactuar com as regras do mercado que haviam combatido. A «grande recusa» dos filhos da burguesia que lhe deram rosto não sobreviveria afinal à experiência rápida de uma geração incapaz de questionar verdadeiramente a ordem injusta da qual pretendiam escapar.
Theodore Roszak (1933-2011), que morreu no início deste mês na sua casa em Berkeley, Califórnia, foi um dos primeiros a perceber esta incoerência. Mas não viu nela necessariamente um mal ou um factor de derrota. O seu livro – e boa parte do trabalho académico que se lhe seguiu – pretendeu mostrar que a sociedade moderna dominada pela ciência se revelara monstruosa, repressiva e desprovida de alma, que a então emergente dissensão juvenil era suficientemente coerente para ser capaz de produzir uma nova ordem de valores, e que a anti-racionalista «contracultura» – termo que popularizou e provavelmente inventou também – poderia projectar, a partir da sua perspectiva visionária, a base material da sociedade do futuro. Vivemos maus tempos, sem dúvida, para fazer valer a importância desta reserva de utopia, mas como na tábua da História todas as certezas e perplexidades são efémeras, provavelmente ainda voltaremos a ouvir falar dela. Ou daquelas que a ela forem capazes de ir buscar a chispa inextinguível da crítica e da insubmissão.