Nunca devemos dizer nunca. Não podemos, por isso, proclamar que os portugueses jamais viveram tempos tão críticos e difíceis quanto aqueles que agora experimentam, e um breve exercício de rememoração histórica facilmente detetará outros momentos fortes de desespero e de aparente impotência. Todavia, aqueles pelos quais atualmente passamos comportam uma dose suplementar de dramatismo, uma vez que os espaços de comunicação que a todos integram colocam, agora sim pela primeira vez, o conjunto dos cidadãos, e não apenas alguns, num estado de reconhecimento de que se encontram a viver uma viragem – e uma viragem projetada num horizonte sombrio, não aquele claro e otimista que o 25 de Abril abriu – que marcará por muitos anos as suas vidas e as vidas das gerações lhes sucederem. O que Portugal. Ensaio contra a autoflagelação de Boaventura de Sousa Santos nos propõe é a busca de antídotos capazes de afastarem a recepção da catástrofe de forma passiva, ou, pior, vivida num estado de autoflagelação que, como o fado, preludia a desgraça e a depressão. Neste utilíssimo ensaio, o sociólogo parte de um amplo cenário de crise, integrando «uma crise financeira de curto prazo, uma crise económica de médio prazo e uma crise político-cultural de longo prazo», para pensar a forma de lhe minorar os efeitos e de a derrotar.
Como é próprio do seu já longo trabalho de reflexão política, Boaventura não prefigura aqui explicações fáceis ou soluções prodigiosas. Reconhece os escolhos, inquirindo a sua origem, morfologia, sequelas e processos de remoção, procurando ao mesmo tempo defrontar as explicações e as propostas dos políticos e comentadores nacionais que falam do seu próprio país, de nós, como fazendo parte de um lugar distante, «habitado por gente que conhecemos mal, por quem não temos especial estima e que certamente merece o fardo que lhe cabe carregar». O objetivo nuclear é superar esse estado de passividade e derrotismo, projectando num plano nacional, europeu e global os caminhos a partir dos quais será possível idear a esperança a que temos direito, dado que «esperar sem esperança seria o pior que nos poderia acontecer». Pode concordar-se ou não com alguns aspetos do diagnóstico, aceitar ou não todos os métodos de cura propostos, mas sai-se da leitura com uma segura certeza: na presente situação, com o abismo à vista, entre fatalismo e inconformismo não existe via intermédia. Um ensaio norteado por uma visão solidária do mundo e por aquilo a que o autor chama uma certa consciência de «otimismo trágico», a incluir de imediato na biblioteca fundamental sobre os futuros de Portugal.
Boaventura de Sousa Santos, Portugal. Ensaio contra a autoflagelação. Almedina. 162 págs. Publicado na LER de Julho-Agosto de 2011.