Snobismo (ou Aimez-vous a Nona Sinfonia?)

Slavoj Žižek

Se não fosse o facto de ser uma citação de outrem, o parágrafo que vou transcrever poderia deixar no ar uma falsa (mas justificada) sensação de lamentável arrogância. Não que, contrariando a proclamação de Boris Vian, tenha alguma coisa contra a nobre arte do snobismo, mas nem sempre é prático dizermos de forma clara e um tanto ostensiva aquilo que realmente pensamos. Copio então um passo de Viver no Fim dos Tempos, de Slavoj Žižek (ed. Relógio d’Água).

A única prova do gosto está no facto de uma pessoa saber como apreciar ocasionalmente coisas que não correspondem aos critérios do bom gosto – em contrapartida, quem segue demasiado estritamente os critérios de bom gosto, limita-se a exibir a sua completa falta de gosto. (Analogamente, alguém que exprime a sua admiração pela Nona Sinfonia de Beethoven ou outra obra-prima da civilização ocidental denuncia no mesmo momento a sua ausência de gosto – o verdadeiro gosto exibe-se elogiando uma peça menor de Beethoven como superior aos seus «maiores êxitos».)

A aceitação universal deste princípio impõe todavia algumas ressalvas. Assim, o estilhaçamento do cânone ocidental em plena modernidade líquida, levando a uma reavaliação do que em tempos foi entendido como secundário, menor, descartável, permite reconsiderar a noção de bom gosto, ou de gosto original, aplicada a uma obra ou a um objeto. Retomando o exemplo do músico alemão nascido em Bona: num grupo de cem pessoas incapazes de reconhecerem os cinco primeiros compassos da sua Quinta Sinfonia – e, acreditem, atualmente não é difícil encontrá-las – a simples enunciação da peça perde o efeito kitsch que lhe é associado em alguns meios, podendo a sua reprodução tornar-se até um momento de deleite e de treino… do gosto. Aliás, a requalificação do próprio kitsch permite tomá-lo com um prazer legítimo e, em algumas circunstâncias, «bom» até. Provavelmente, o melhor será então não sermos preconceituosos e aceitarmos a relatividade das noções e das formas de gostar de alguma coisa. Provavelmente. Mas por vezes é um tanto difícil consegui-lo. Maldito snobismo.

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