É recorrente o testemunho, transmitido por aqueles que sobreviveram ao Holocausto e puderam contar a experiência do horror, segundo o qual passada a Guerra quase ninguém aceitava escutá-los. Primo Levi transportou toda a restante vida esse fardo e, quando encontrou finalmente quem o quis ouvir, não se cansou de lembrá-lo. Este A Última Testemunha de Auschwitz, um relato de Denis Avey (n. 1919), antigo soldado do exército britânico que se bateu contra os alemães no Egito e na Líbia – e depois de capturado viveu o pesadelo do trabalho escravo nas instalações da IS Farben em Buna-Monowitz, anexas ao campo de Auschwitz-Birkenau –, é ilustrativo dessa realidade. Para além da dor legada pelo que viu e viveu, carregou quase até ao fim com a contrariedade de não encontrar quem aceitasse perder algum tempo com aquilo que tinha para contar. De tal forma que só depois dos noventa, e com a ajuda de Rob Broomby, um jornalista da BBC que soube da sua história, teve condições para falar do que presenciara e daquilo que os outros mereciam e deviam conhecer.
E, no entanto, a sua experiência foi provavelmente única. Não apenas pelo relato circunstanciado, a partir da perspetiva do militar não graduado, das dificuldades reais do combate nas campanhas do Norte de África contra as tropas de Rommel. Não apenas por nos fornecer um retrato muito menos benévolo do que aquela doado pela tradição cinematográfica das condições reais nas quais viveram acantonados os militares aliados capturados pela Wermacht. Mas, para além disso, por nos oferecer a experiência absolutamente singular de alguém que, pela sua própria iniciativa e risco, decidiu trocar de identidade com um prisioneiro judeu destinado ao extermínio. O objetivo foi vivenciar de forma direta, para poder passar para fora uma informação que muitos resistiam ainda a aceitar como válida, as condições sub-humanas em que vegetavam, a caminho da morte certa, os prisioneiros sinalizados com a estrela de David. O relato intenso das noites de pesadelo que passou deitado nos catres dos mortos-vivos, seus fugazes companheiros de martírio, preenchem algumas das páginas mais perturbantes que sobre esse inferno na Terra alguém foi capaz de escrever.
Denis Avey (com Rob Broomby), A Última Testemunha de Auschwitz. Trad. de Ana Glória Lucas. Clube do Autor. 320 págs. Publicado na revista LER de Novembro de 2011.