Da autoria de Josef Koudelka e editado pela Thames & Hudson, Invasion Prague 68 deve ser o álbum de fotografia mais triste do mundo. Em 1968, com 30 anos, Koudelka nunca tinha fotografado guerras ou revoluções. Chegara da Roménia, onde andara a perambular retratando ciganos, no dia anterior à invasão, e a partir da madrugada de 20 para 21 de Agosto não parou de disparar a câmara. Muitas das fotografias que então tirou foram divulgadas pela agência Magnum, mas foi apenas em 1986, quando os laços familiares no interior da Checoslováquia desapareceram pela morte do pai, que a sua autoria foi revelada. Quarenta anos depois, 250 dessas fotografias – uma grande parte delas aqui mostrada pela primeira vez – foram seleccionadas para esta obra impressionante.
Não existem aqui imagens de horror, de ódio, de desdém ou de vindicta. Não encontramos desmesura de lágrimas, nem de sangue. Soldados e pessoas comuns permanecem imóveis ou parecem movimentar-se de uma forma que jamais deixa de ser ordenada e quase mecânica, mesmo quando sobrevém o confronto verbal com o invasor ou a visão ocasional da morte diante das balas do proclamado «exército irmão». Aquilo que nos deixa mudos de espanto é o rosto das pessoas, é principalmente o rosto das pessoas: a incredulidade estampada nas fisionomias, o olhar perdido, um sofrimento quase indizível, uma atitude corpórea que as mostra numa espécie de transe, traduzindo, com uma plasticidade levada ao extremo que Koudelka captou muito bem, uma dor verdadeira e infinita.
Pareceu-me ver, ao percorrer as páginas de Invasion Prague 68, a fantasmagoria de um 25 de Abril contado às avessas. As praças e ruas da cidade boémia do Vltava invadidas por uma mágoa imensa que se assemelha a um exacto negativo do incontido júbilo exibido, quase seis anos depois, nas ruas e nas praças de uma Lisboa fotografada já sem entraves. Em ambos os instantes podemos hoje olhar estados de espírito que se dirá irem ficar ali para sempre.