Nas últimas décadas desenvolveu-se em volta do movimento estudantil um conjunto de justificações da sua redução a ações de natureza corporativa e do seu quase desaparecimento como movimento social com influência pública e visibilidade mediática. O termo de comparação, invocado nostalgicamente por alguns ou usado por outros na tentativa de compreender o que aconteceu para que tal tivesse ocorrido, assentou no modelo de ativismo desenvolvido a partir da década de 1950, que teve o seu apogeu com a experiência do Maio de 1968 e o seu canto do cisne durante os anos 70. Basicamente, alterações sociais profundas e uma readaptação do quadro institucional das democracias teriam esvaziado de sentido a politização, muitas vezes de caráter radical, que antes havia conduzido, um pouco por toda a parte, de Berkeley a Paris, da Cidade do México a Praga, no Rio ou em Tóquio, a uma intervenção estudantil capaz de se assumir como componente fundamental da mudança social, da renovação cultural e até da modernização. E também como «escola de democracia», servindo de campo de treino a toda uma geração aberta à crítica e à participação cívica como parte fundamental da vida coletiva e do conhecimento.
De forma justa, explicações recentes aliaram o desaparecimento deste cenário à vertigem individualista e à deriva neoliberal que emergiram vitoriosas a partir da década de 1980. No casos português, a esta explicação juntou-se ainda uma outra, poderosa e fácil de aceitar: desaparecida a ditadura e a censura do Estado Novo, razoavelmente democratizado o ensino e a gestão universitária, aberta a sociedade a outras formas de organização e de intervenção, perdida pelos estudantes a condição de segmento social no qual se concentrava a capacidade de indignação («novos proletários», chegaram a chamar-lhes durante os sixties), alterada a própria condição estudantil com o fim da concentração dos núcleos universitários e a melhoria das condições de funcionamento das escolas, tornava-se quase obsoleta a preservação de uma iniciativa autónoma ampla, ultrapolitizada e aguerrida. Assim se foi formando a ideia de que o movimento estudantil era, na realidade, coisa do passado, guardado nos livros de história, na expressão nostálgica dos seus antigos intérpretes e no aproveitamento de alguns dirigentes associativos à procura de legitimação histórica para o papel que representam.
Esta explicação começa agora a parecer deslocada e, em relação às atuais circunstâncias, a revelar-se anacrónica. De facto, assistimos, no ambiente estudantil como noutros campos, a uma alteração veloz das condições sociais e políticas gerais, tal como a uma modificação brutal das condições de funcionamento do sistema universitário e da vida dos seus alunos. Neste momento, a realidade está a impor uma sociedade cada vez mais desigual, mais condicionada ao pensamento único, mais submetida à desumanizada lógica de mercado, mais incapaz de oferecer aos estudantes, no que diz respeito às suas condições de vida enquanto tal, e também ao seu futuro, uma saída que possa ser encarada de forma positiva e razoavelmente otimista. Como se isto não bastasse, um número crescente de cidadãos vê-se condicionado, por motivos económicos, a excluir do seu horizonte a frequência de cursos universitários, quando não se vê mesmo obrigado a abandonar aqueles que já frequenta. Ou a fazê-lo em condições críticas, sendo já vulgar a existência, em muitas universidades, de casos de ausência de meios para pagar propinas, comprar o material didático mais básico e comer de maneira condigna.
Nestas novas condições, como explicar uma não-reposição visível da dimensão reivindicativa e politizada do movimento estudantil? A instalação de uma cultura do lazer pelo lazer, associada à falta de consciência do social de um grande número de alunos, não é suficiente para explicar este desinteresse e a fixação desmedida em «festas académicas» non-stop e «praxes» obsoletas a full-time que se sobrepõem, num movimento de fuga para a frente, à preocupação com o conhecimento, a participação e a vida, presente e próxima futura, de cada um e de todos. Talvez uma das causas se relacione com o facto de muitos dos jovens universitários mais ativos, conscientes e solidários se terem aplicado em intervenções à margem da própria vida estudantil, noutros domínios da atividade política, associativa ou cultural, em detrimento daquilo que, como mais ninguém, podem fazer no espaço convivial da escola. Talvez por isso valha a pena pensarem na importância provável – inclusive para o sentido militante das suas escolhas – de retornarem às aulas, aos corredores, aos anfiteatros, ao lugar de trabalho mas também de criação, de alternativa e de luta que pode ou deve ser o campus universitário.