A palavra «provinciano» aplica-se a duas condições diferentes, embora muitas vezes complementares. Uma distingue «aquele que é da província» ou «que vem da província», tendo nascido e vivido uma parte ou a totalidade da sua existência muito longe das grandes cidades e do ruído das autoestradas. E isso somos muitos. A outra, pejorativa, integra a tacanhez de quem apenas habita o lado plácido, repetitivo e intensamente conservador do mundo, ou a de quem, mesmo cruzando as avenidas e os ritmos das cidades, se afasta dos caminhos por onde flui e se desdobra o múltiplo que carateriza a vida moderna. Provinciano é pois aquele que ignora, por imposição do meio, ou então deliberadamente, aquilo a que Baudelaire chamava «o transitório, o fugitivo, o contingente», fixando-se antes no que acredita ser eterno, imutável e apenas visível em pequena escala. Esta aceção mais integral foi ferida na sua dignidade com a interferência dos meios de comunicação de massa – primeiro a rádio, depois a televisão, por fim a Internet – generalizados durante a segunda metade do último século. A condição do provinciano deixou então, para muitos, de ser uma inevitabilidade, passando a definir-se ainda mais como uma escolha, uma opção pelo padrão de vida que rejeita a novidade, as atividades mundanas e, em consequência, a diferença.
A notícia lida nos jornais sobre o projeto de uma marca de vinhos a comercializar a partir de Santa Comba Dão, o concelho natal do antigo ditador, sob a designação de «Memória de Salazar» – estando desde já prometido um esforço de marketing equivalente a aplicar a uma marca de enchidos –, enquadra-se nesta dimensão do provinciano. É um bom exemplo, talvez extremo, do que podemos ler ou ouvir todos os dias seguindo grande parte dos jornais ou das emissoras de rádio localistas e regionalistas: o culto da «figura grada» da terra, transformada em símbolo que supostamente a eleva diante das outras. É normalmente alguém que por aquelas partes passeou um pouco de poder e em consequência algum dinheiro. O doutor, o comendador, o industrial, o benemérito que, para o espaço da aldeia, da vila, da pequena cidade, da pequena mente, substitui sem hesitação o escritor, o poeta, o artista, a figura da ciência ou da cidadania, preenchendo preferencialmente as placas toponímicas e as colunas das folhas locais. Este projeto santa-combense, a materializar-se, será, de facto, mais um ato de provincianismo do que de revanchismo salazarista. Não destaca a grandeza de uma figura local ou as qualidades de um concelho, mas a pequenez de quem propõe uma iniciativa tão desastrada. E é como tal que deve ser rejeitado. Ou boicotado. Santa Comba Dão não pode exibir, sob o pretexto de apoiar um produto local, a celebração da repressão e do ódio aos quais, enquanto houver memória, permanece associada a figura do seu natural. Será mau, desde logo, para a própria terra e para os seus.