Nem seria preciso dizer, mas o presidente confessou a uma jornalista que não gosta da comida indiana. Com os seus sabores intensos e exorbitantes temperos deixam-lhe a língua em chamas, a testa liquefeita, o pescoço afogueado. E um presidente não deve. Ninguém o pode forçar ao suplício, naturalmente, embora, por dever de representação de um povo de antepassados façanhudos e epopeicos, lhe ficasse bem provar um pouco daquilo que, pela medida grossa, decerto Almeidas e Albuquerques provaram. E a Scientific American até acaba de revelar que o caril – como se sabe, uma mistura destrambelhada de gengibre, coentro, cúrcuma, noz moscada, pimenta-do-reino, cravo-da-índia, açafrão e eu sei lá o quê mais – pode produzir efeitos terapêuticos no tratamento da doença de Alzheimer, do cancro e de outras maleitas igualmente ruins. Mas uma vida inteira de comedimento e de morigeração deixa as suas marcas no que toca ao confronto com os excessos. Há, pois, que soerguer as virtudes de um arroz modesto e imaculado. De uma bolachinha de água e sal. De lusíadas sem canto nono, que apenas desorbitam com uma fatia de bolo-rei.