Mantenho uma relação difícil com a palavra «camarada». Houve um tempo no qual a pronunciei vezes sem conta. Para mim significava então um destino, uma missão, uma certeza. Uma vontade de partilhar a redenção dos que a história havia empurrado para baixo. Com a certeza de que esse resgate chegaria um dia. E por isso um sinal de futuro. Era essa a palavra bonita, «c’est un joli nom, tu sais», que Jean Ferrat, comunista combatente e artista de variedades, proclamava no distante ano de 1968. Aquela que combinava o sabor da cereja e o da romã com os perfumes do Maio. Mas na mesma canção Ferrat rompia com o PCF e acusava os tanques russos: «Ce fut à cinq heures dans Prague/ Que le mois d’août s’obscurcit/ Camarade Camarade». Porque a palavra serviu também, no dobrar das décadas, para perseguir e delatar, para demarcar um grau de pureza («amigo, companheiro, camarada»), para torturar e abater («porque desejas, canalha, matar o Camarada Estaline?»), manchando o brilho matinal da sua natureza. E, no entanto, sobreviveu. Porque nenhum mal conseguiu expulsar a centelha que contém. A fraternidade que invoca, espera, procura. «Camarada» permanece uma palavra linda e necessária.