Para além de ser um dos nossos mais importantes medievalistas, José Mattoso é também um historiador que não tem vivido a sua profissão como um espartilho, refletindo sobre domínios que se cruzam com os caminhos do contemporâneo e a experiência da cidadania. Comprovam-no os quinze ensaios escritos ao longo das últimas quase duas décadas que este Levantar o Céu reúne. Fá-lo adotando uma busca de sentidos, apoiada sempre numa reflexão muito pessoal, para essa «sabedoria verdadeira» que jamais se mostra à primeira vista, sendo por isso necessário «desejá-la, compreendê-la, descobri-la», aceitando que ela «não explica nada, explica-se». O título é pois uma declaração de intenções: se «levantar o céu» impõe a vontade de desvendar a relação entre o ideal que este representa e a materialidade da vida terrena, como possível via para perceber a mudança na ordem do mundo, já compreender o percurso labiríntico para alcançar a sabedoria é o mote que acompanha estes textos. A bússola oferece-a Mattoso no encontro, tantas vezes julgado como um inevitável desencontro, ou no equilíbrio que pessoalmente sempre procurou obter, entre fé e razão. O ceticismo do qual em alguns momentos nos dá conta apenas reforça esse sentido de procura.
Nesse trabalho de aproximação, o livro é arrumado em duas partes. Na primeira é o trabalho da razão que se destaca. O problema do lugar da «luta pelos valores» na atualidade (um tema completamente afastado desse relativismo hegemónico que foi estimulado pela proclamação do «fim da História»), a reflexão sobre «a morte das utopias» (reapreciadas como um móbil para a ação ao serem revistas como motivantes «ideais»), o trabalho sobre o lugar do conhecimento histórico (humanizando-o, retirando-a da dimensão de aridez, confiando na sua capacidade para «renunciar a uma explicação única» do fluir da vida coletiva), são propostas particularmente instigantes. Na segunda parte é, entretanto, a fé a determinar o sentido de uma reflexão envolvendo saber e espiritualidade. Trabalhando nas diferentes etapas sobre conceitos como sagrado, contemplação, taciturnidade ou silêncio, e a uni-los, sempre o princípio da sabedoria. No último ensaio, o único inédito do volume, José Mattoso sublinha que esta, jamais unívoca, «está em toda a parte e fala de muitas maneiras», tendo no entanto, como inevitável corolário, o princípio da Palavra, ou, citando Ramon Panikkar, «a sua reverberação cósmica, a sua forma visível, o seu som, o seu significado, a sua mensagem». Identificada com o Absoluto, é por ela que, de uma forma superior, através dos tempos, Deus se manifesta por entre os humanos. Basta então a estes «calar e escutar», parar e meditar, para fora da vertigem do tempo encontrarem as soluções mais aceitáveis e menos dolorosas no cumprimento dos seus destinos. Resta dizer que, na linha desta proposta de um olhar suave e ponderado sobre a vida de todos e a de cada um de nós, este não é livro para se ler de um só fôlego, mas para ir lendo em conjugação com um esforço de reflexão pessoal. Entrevendo pistas para o caminho a percorrer, planos «para encontrar a saída do labirinto que a vida nos coloca».
José Mattoso, Levantar o Céu. Os Labirintos da Sabedoria. Temas & Debates – Círculo de Leitores. 290 págs. Versão revista de nota saída na LER de Junho.