Correndo o risco de insistir num assunto repisado, chamo a atenção para o parágrafo do Miguel Cardina que, no Arrastão, sublinhou três fatores importantes relacionados com a microlicenciatura do ministro Relvas: a desgraçada dimensão ética da mentirola aprontada pelo próprio sobre a sua formação académica; as ligações perigosas entre setores dos partidos do poder, certos negócios e determinadas instituições do ensino superior privado; o provincianismo traduzido na vontade de deter o título de «doutor» para se fazer respeitar entre as massas informes de fatos cinzentos. Junto-lhe um curto comentário sobre dois aspetos que têm sido tratados de maneira mais lateral mas merecem alguma atenção, transcendendo até o timing preciso deste episódio de vaudeville.
Por um lado, é preciso voltar ao óbvio, reconhecendo que não é fundamental possuir um curso superior para ser-se competente, honesto e criativo em muitas atividades. Todos conhecemos pessoas no topo da carreira académica que não dispõem de uma só dessas qualidades e outras que se fizeram a si mesmas, com tenacidade e dedicação, ao longo da vida. No entanto, a formação universitária deve ajudar em muita coisa, particularmente em áreas que requerem saberes especializados, impossíveis de obter com a leitura do National Geographic ou da Super Interessante. No caso em apreço, talvez a noção do que custa uma formação académica a sério tivesse, por exemplo, impedido Relvas de falar como falou, em Novembro, a propósito da conveniência de empurrar para a emigração os «jovens portugueses qualificados sem proposta de emprego». Existe aliás, sob este aspeto, um precedente extraordinário que me limito a apontar: Carlos Coelho, atual deputado europeu e diretor da Universidade de Verão do PSD, foi membro da Comissão de Reforma do Sistema Educativo em 1986, membro do Conselho Nacional de Educação entre 1990 e 1992, e subsecretário de Estado da Educação em 1994 e 1995, sem, à época, ter sequer frequentado a Universidade.
Por outro, é preciso reconhecer que existe de facto, em algumas instituições universitárias, um sistema de atribuição de equivalências entre cursos – e de computação de créditos, seguindo os «critérios de Bolonha» – extremamente flexível, subjetivo por vezes na qualificação da experiência, e suscetível de ser adaptado para favorecer determinadas situações pessoais. Se no ensino superior público, apesar das imperfeições, a situação é ainda assim razoavelmente controlada pelos órgãos académicos de decisão e pela diligente tutela, em algumas instituições do privado, onde por razões comerciais se deve em primeiro lugar ser simpático para o «cliente», e onde a aferição pública é muito menos clara, os abusos são vulgaríssimos, roçando, apesar de formalmente «legais», um comportamento criminoso, tanto do ponto de vista ético como científico. Neste contexto, o que se passa com Relvas é que este, devido à sobre-exposição mediática, deu mais nas vistas do que os muitos outros que têm feito mais ou menos o mesmo. Teve algum azar com o seu microdiploma…