Parece-me inegável a forma como, tomando a generalidade dos espectadores por parvos, a RTP tem vindo a transformar as suas «reportagens» diárias sobre o referendo, supostamente imparciais, em sessões de propaganda insidiosa do não. As estratégias são diversas, sendo a mais comum a subversão da própria questão a referendar. É preciso relembrar que ninguém nos vai perguntar no dia 11 de Fevereiro se somos taxativamente contra ou inequivocamente «a favor do aborto». Mas a RTP mantém o equívoco.
Outra das manobras consiste em utilizar de forma parcial o poder da imagem. Como aconteceu com os bonequinhos em plástico, prefigurando um feto com 10 semanas de vida, que uma das piedosas organizações favorecedoras do negócio da Clínica dos Arcos tratou de mostrar ao país num assomo de sadismo e mau gosto. Ou com a repetição da imagem de uma daquelas cadeiras – com óbvio mau aspecto, como tem qualquer móvel ou utensílio utilizado em cirurgia – na qual, nas melhores condições possíveis, é possível interromper voluntariamente uma gravidez. Porque não mostram as mesas de cozinha cobertas com uma toalha de linóleo ou com folhas de jornal utilizadas vulgarmente em abortos clandestinos? Provavelmente, será essa a linguagem que entendem muitas das pessoas que irão «deitar o voto». Sim, custa-me dizê-lo, mas talvez a campanha pelo sim o deva fazer. Chama-se a isso combater o inimigo no seu próprio campo. Neste caso, vale a pena.