Uma parte importante de Portugueses no Holocausto, escrito por Esther Mucznick, procede a um trabalho de rememoração das circunstâncias que conduziram o governo da Alemanha nazi a passar de um antissemitismo visceral à decisão política, abertamente genocida, da Solução Final. Aquela que determinou os horrores mais extremos e sem remissão do Holocausto. Até há relativamente pouco tempo, esta era uma história bem conhecida; no entanto, o recuo do conhecimento da história do século vinte por parte de um segmento importante das gerações mais novas, associado a uma certa influência das teorias revisionistas e negacionistas, torna imperativo o retomar dos factos e das circunstâncias do horror. Não é este, porém, o objetivo primordial da obra, principalmente centrada na forma como uns e outras se relacionaram com Portugal e com os portugueses, ou pelo menos com muitos dos seus descendentes.
Alguns aspetos são já razoavelmente conhecidos, como aqueles que dizem respeito à transformação do nosso país em lugar de abrigo, ou de passagem para o exílio, para numerosos refugiados judeus em fuga perante a brutalidade nazi. Mas outros são-no menos. É o que acontece com a história, aqui evocada, dos judeus de nacionalidade portuguesa ou reclamando-se dela, ou dos descendentes dos antigos fugitivos da Inquisição, que espalhados pela Europa – em Amesterdão, Salónica, Paris ou Budapeste – não puderam valer-se dessa condição para escaparem aos campos de concentração ou às câmaras de gás. Ou a dos diplomatas portugueses que, contra a posição dúbia, servil e frequentes vezes cúmplice de Salazar – o caso de Aristides de Sousa Mendes é o único já razoavelmente conhecido, mas existiram outros, aqui evocados – tentaram ajudar milhares de pessoas «que se encontravam do lado errado» a fugir às perseguições, ao sofrimento atroz e à morte certa. A autora aborda também um aspeto que merece a nossa atenção: o modo como, mesmo após o termo da Segunda Guerra Mundial e o início da divulgação dos crimes contra a humanidade levados a cabo pelos nazis, tal realidade foi, tanto quanto o regime o conseguiu fazer, escondida dos olhos da maioria dos portugueses.
Esther Mucznik, Portugueses no Holocausto. História das vítimas dos campos de concentração, dos cônsules que salvaram vidas e dos resistentes que lutaram contra o nazismo. A Esfera dos Livros. 310 págs.