As extrapolações dos factos e das interpretações da História são quase sempre tão sedutoras quanto perigosas. Servem muitas vezes para conceder legitimidade à ordem do presente, o que raramente produz efeitos benignos. Mas podem também ampliar a experiência do contemporâneo, municiando-a com episódios, atitudes, descobertas, ideias, que do passado podem projetar um eco útil, ou ilustrativo, sobre o presente que nos cabe. Apesar de a nossa vivência ser irrevogavelmente singular, e de cada momento envolver sempre condições próprias, é sempre bom saber que raramente vivemos a completa novidade. Vem isto a propósito de uma descoberta (uma entre muitas outras) produzida durante a leitura de A Peoples’s Tragedy. The Russian Revolution. 1891-1924, um estudo épico, editado em 1997, que foi um dos primeiros do grande e polémico historiador britânico Orlando Figes.
Logo em 1918 a revolução soviética definiu um modelo de escola pública. Este visava oferecer a todas as crianças uma educação comum e gratuita até à idade dos catorze anos. No entanto, as condições da guerra civil impediram a aplicação integral do modelo. Em 1920, um certo número de bolcheviques, influenciado pelos planos de Trotsky para a militarização da sociedade soviética e a sua aplicação total aos objetivos da revolução, começou então a propor a subordinação do sistema educativo às necessidades da economia, sugerindo a transformação da maioria das escolas em espaços para a formação de técnicos e de operários especializados. Este plano não foi mais longe devido em boa parte à oposição de Lunatcharski, Comissário do Povo para a Educação até 1929. Lunatcharski via nessa medida estritamente economicista uma traição aos princípios humanistas da revolução de Outubro, considerando que a função primordial do governo revolucionário no domínio educativo era permitir a todos os trabalhadores a possibilidade de se elevarem ao nível da intelligensia. Graças à sua intervenção, os princípios que visavam a imposição de um ensino essencialmente técnico foram então suspensos. Embora a partir dos anos trinta tenham sido retomados numa outra escala.