Dos trabalhos do Congresso Democrático das Alternativas e dos termos da declaração nele aprovada (a divulgar em breve) não resultou a proposta de uma nova plataforma partidária e muito menos a apresentação de um programa de governo. O equívoco dos seus detratores no campo da esquerda – invariavelmente associados aos tempos e aos modos de sectarismo político que ele procurou contrariar – está em olharem os resultados do Congresso nessa perspetiva. Pelo contrário, estes devem ser vistos principalmente como fatores de abertura e elementos de debate para a edificação urgente mas gradual de um novo cenário democrático. Este cenário envolverá a afirmação pública de três princípios fundamentais: em primeiro lugar, aquele que define a inadiável necessidade de se produzir uma alternativa à política austeritária, antissocial e antipatriótica que governa Portugal; em segundo, aquele que considera dever esta alternativa passar pela construção de um governo de unidade à esquerda, assente em princípios que possam ser partilhados pela maioria dos cidadãos; e em terceiro lugar, aquele que aponta para tal solução resultar, de um modo plural, da conjugação de esforços dos partidos, dos movimentos mais ou menos informais e de cidadãos empenhados mas sem partido. Ninguém espera que este caminho se mostre claro do dia para a noite e que seja fácil de pisar. Aquilo que não se vislumbra é outra solução realista que não repita velhas receitas.
Era entretanto de esperar que a minoria composta por maledicentes profissionais, divisionistas encartados e adeptos supostamente radicais de soluções messiânicas se declarassem de fora do projeto e se empenhassem em denegri-lo. Afinal, é deles parte da culpa por esse «défice de perspetiva», e consequente capacidade para governar com o seu próprio programa, que a esquerda tem mantido. Mas já não se pode aceitar que as forças que deveriam ter uma perceção do valor deste projeto e das sinergias que ele pode aglutinar, se ponham à margem. Desde logo o Partido Socialista, onde parte dos seus responsáveis ainda não percebeu que os ventos da História estão a mudar e teme, mais do que outra coisa, a política fora da lógica aparelhista. E também o PCP, inapto ainda para ultrapassar a sua vocação meramente protestatária e para suportar uma lógica de aproximação da qual não conste o seu protagonismo como imaginária «vanguarda». A cegueira de uns e de outros prejudica de facto a mudança. Talvez aqui funcione, afinal, a lógica do quanto pior, tanto melhor: o agravamento da situação deixará claro que só se pode estar de um lado ou do outro, e que a recusa de uma solução de unidade voltada para a inflexão de políticas será incompreensível para a maioria dos cidadãos. Pois sem ela não existe alternativa ao pesadelo em que atualmente vivemos.