«Estamos realmente em guerra – uma guerra longa, global, uma guerra pela nossa civilização», mas também «para salvar a nossa democracia.» A ensaísta e consultora política americana Naomi Wolf deixa estas palavras como um aviso e um apelo no último capítulo de O fim da América. Mas afinal de contas que guerra é essa e que padrão de democracia é este, merecendo ser salvo e que se combata por ele? A guerra, para a autora, ocorre dentro dos próprios Estados Unidos da América e é travada para que os fundamentos da democracia, propostos durante o processo de constituição da Nação pelos seus Pais Fundadores, não sejam esmagados por uma insidiosa «viragem fascista», capaz de replicar, e não apenas por analogia, a experiência que levou à queda da Alemanha da República de Weimar e à fatídica emergência do Terceiro Reich. Já a democracia da qual fala a ensaísta tem a forma daquela que, recorrendo à Carta dos Direitos, à Constituição, ao habeas corpus e a uma continuada tradição de diversidade e acolhimento, projetou a utopia de liberdade e de igualdade presente no momento de formação da nação americana e conservada ao longo de uma grande parte da sua história, definindo o essencial da sua identidade profunda.
Wolf procura então identificar os perigos que integra esta viragem, na sua opinião particularmente disseminados sob a presidência de George W. Bush e após os ataques de 11 de Setembro de 2001, mas de modo algum evaporados após a chegada de Barack Obama à Casa Branca, surgindo como uma pesada ameaça que intimida a própria direção política da nação. Agrupa-os em dez sinais, ou etapas, tendentes a preparar a destruição da democracia. Estes são: a invocação de uma ameaça interna e externa terrorista como justificação para um ataque às liberdades; o estabelecimento de prisões secretas ou com características de um campo de concentração, como a de Guantánamo; a organização de uma força paramilitar composta por milícias e seguranças privadas, muitas delas próximas do Partido Republicano; a vigilância sobre os cidadãos comuns, recorrendo ao controlo do correio eletrónico, a escutas telefónicas e a outros meios; a infiltração de grupos de cidadãos pacíficos por polícias e por informadores; a detenção e libertação arbitrária de pessoas, frequentes vezes associada a buscas sem qualquer mandato judicial; a perseguição de figuras destacadas que possam demonstrar posições políticas julgadas «inconvenientes» ou «imprevisíveis»; a restrição frequente da liberdade de imprensa, condicionando muitas vezes a autocensura; a definição da crítica como «espionagem» e da dissidência como «traição»; e, no geral, a subversão cada vez mais descarada do Estado de direito. Contra a vitória do abismo que este caminho anuncia, Naomi Wolf apela à vigilância e à organização dos fellow citizens que dessa possibilidade vão tomando consciência. Assumidas de uma forma necessariamente coletiva e participada, capaz de salvar a América ao impedi-la de cair na voragem do ódio, da perseguição e da ausência de liberdade. Bem mais próximas do que tantas vezes se conjetura.
Naomi Wolf, O fim da América. Carta de aviso a um jovem patriota. Prefácio de Rui Tavares. Trad. de Joana Matias. Nova Delphi. 264 págs. Versão revista de nota saída na LER de Novembro.