Quanto mais difíceis, incertas e dramáticas são as épocas e as situações, mais facilmente se reconhecem as grandes qualidades e os piores defeitos daqueles que as vivem. Aquilo que de melhor e de pior todos nós temos. E isso acontece mesmo em situações-limite, quando o medo do sofrimento, da exclusão e da morte pode fechar cada um sobre si próprio, aparentemente impenetrável e dúctil, ocupado com as tarefas mais elementares da sobrevivência. Calar-se, não ver, passar ao lado, sair dali, é então a atitude mais comum. No entanto, os relatos dos que sobreviveram ao internamento nos campos de concentração e de extermínio recordam, com insistência, que mesmo nos limites mais extremos da barbárie dos carcereiros e da desumanização dos detidos foi possível, em instantes fugazes, aparentemente impercetíveis, mas muito intensos, encontrar sinais de compaixão e de coragem, bem como, ao invés, marcas indeléveis de impiedade e traição.
Tristeza e Compaixão é um documentário realizado em 1969 pelo francês Marcel Ophüls, que retrata o quotidiano de pessoas normais perante circunstâncias extraordinárias, reconstituindo a ocupação de Clermont-Ferrand pelo exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Põe a nu a colaboração da classe dominante da cidade com a Alemanha nazi, revelando dois padrões de comportamento essenciais para se perceber o que foi a sociedade francesa desse tempo e o pesado fardo moral que a sua memória preservou. No filme, os que traíram e pactuaram com os nazis e o governo de Vichy, em regra calam-se, não se lembram, mentem sem vergonha. Um professor de liceu é confrontado com uma placa evocativa dos seus alunos mortos pelos nazis e diz tratarem-se de soldados mortos em combate durante a Primeira Guerra Mundial. Mas mesmo muitos dos que resistiram, porque a ordem social se manteve incólume após a guerra e os colaboracionistas continuavam a ser os patrões, preferem falar pouco, evitando tocar nas feridas não cicatrizadas. Apesar desta barreira de silêncio, o trabalho de Ophüls foi capaz de revelar de que forma, durante a Ocupação, a cobardia e a sua irmã-gémea indiferença, de um lado, e a coragem e a resistência, do outro, foram levados ao extremo.
Tristeza e Compaixão apenas em 1981, após a chegada da esquerda ao poder em França, circulou livremente e passou pela primeira vez na televisão. O DVD duplo que o contém, com uma duração de mais de quatro horas, está à venda, legendado em português, nos sítios habituais. É um belo filme – talvez também uma boa e económica prenda de Natal – a rever nesta altura em que é preciso fazer escolhas.