Não sou propriamente um admirador do estilo e do discurso pessoal, a meu ver um tanto obreirista, despojado de jogo de cintura e de léxico geracionalmente datado, de Arménio Carlos. E menos ainda o sou, apesar de lhe respeitar o lastro de dedicação e luta, da forma como a política sindical do seu partido tem orientado a atividade da CGTP. Mas estou inteiramente do lado de Arménio quanto a esta «questão do escurinho». Refiro-me à forma como o secretário-geral da central sindical se referiu publicamente a Abebe Selassié, o etíope que qualificou como o «terceiro rei mago» desta Troika alienígena que nos governa e empurra para o precipício. A obsessão do politicamente correto faz destas coisas: vigia até os pequenos detalhes, desvia-se do que é realmente importante, e erra o alvo com inábeis tiros de pólvora seca. Será preferível, para quem se entreteve a dissecar esta liberdade verbal, o discurso cinzento, permanentemente examinado e autovigiado, que retira humanidade ao combate político e faz de quem assume responsabilidades públicas um cidadão permanente acossado? Ou ficarão os críticos neste particular de Arménio Carlos menos perturbados com as sobrevivências dessa previsível «língua de madeira» que contamina tantas vezes, e em momentos decisivos, o seu discurso? Quando ressurgem estes fantasmas lembro-me sempre de um amigo que conheceu o antigo presidente moçambicano Samora Machel – nos anos que se seguiram ao 25 de Abril objeto regular de piadas racistas, bastante acintosas, que a generalidade dos portugueses de esquerda e de direita contava no meio de grande galhofa – e me garantiu terem sido as mais engraçadas de todas as que ouviu aquelas saídas da boca do próprio Samora. O antirracismo pratica-se e combate-se em muitas frentes, mas o policiamento severo, maníaco e por vezes demagógico da linguagem – sobretudo quando aplicado a pessoas insuspeitas de partilharem essa detestável atitude social – não será seguramente uma delas.