Em A Ironia do Projeto Europeu parte-se de uma constatação: estamos de regresso a um ponto de partida do qual, ao longo das últimas décadas, jamais ponderámos reaproximar-nos. Há um século, como lembra Rui Tavares no início deste ensaio, a Europa contava com condições económicas, políticas e tecnológicas excecionais para construir «um sistema de cooperação entre nações fundado sobre a emancipação pessoal». Porém, muitos dos problemas verificados, «da finança descontrolada à legitimidade política esvaziada», antecipavam já aqueles com os quais hoje de novo nos confrontamos. Sabe-se que nessa época foi a Primeira Guerra Mundial a solução encontrada para supostamente resolver o dilema, mas tal não significa que estejamos hoje em condições de repetir a péssima receita. Existem demasiados interesses, combinados e sem um responsável identificado, para escolher um território físico e um inimigo contra o qual fazer agora marchar os exércitos. Ainda assim, e é essa uma das preocupações presentes neste livro: paira uma pulsão de violência imposta pela exacerbação das contradições e dos consequentes conflitos entre os Estados, os grupos sociais e os indivíduos. Por isso este livro apresenta uma reflexão sobre a contradição, em cenário de crise, entre crescimento e desigualdade, e também sobre a sua possível superação, procurando mostrar de que modo, apesar da propensão para o bloqueio e o conflito, existem condições para reconquistar uma democracia transformadora capaz de ajudar a Europa a regenerar-se e os europeus a lançarem-se num novo estádio de desenvolvimento.
O plano de Rui Tavares é de alguma maneira ambicioso, percorrendo aspetos tão diferentes como a linguagem de má qualidade sobre a qual se tecem explicações necessariamente de má qualidade para a atual situação europeia, a forma como a partir do imediato pós-guerra se iniciou o caminho de um crescimento desregulado que nos trouxe até aqui, a história recente da crise financeira, económica, política e social na qual agora mergulhámos, ou o esboço de uma reformulação de políticas e da possível intervenção da esquerda neste domínio. Uma intervenção que permita salvar a Europa e a generalidade dos que a habitam da catástrofe anunciada. O autor desenvolve a exposição de uma forma sinóptica, ancorando a análise, a reflexão e a prospeção de soluções num raciocínio bastante pessoal, mas ao mesmo tempo dialoga com as forças em presença e com alguma da reflexão internacional, mais recente e inovadora, que sobre estes temas tem vindo a ser produzida. Deste trabalho de inventário e reflexão resultou um texto muito equilibrado e pedagógico, que sem apresentar propostas milagrosas, formas de adivinhação ou desnecessários anúncios de apocalipse, nos ajuda, num tempo em que tal é particularmente difícil mas também necessário, a entreabrir as portas do desânimo e a alimentar algum otimismo. Quanto mais não seja porque «não há mais ninguém» que o faça e por isso «tudo depende de nós».
Rui Tavares, A Ironia do Projeto Europeu. Tinta da China. 304 págs. Versão revista de uma nota de leitura publicada na LER de Fevereiro de 2013.