Após algumas semanas de silêncio relacionado com outras preocupações, retoma-se hoje a série de posts que tem vindo a sugerir uma hipotética biblioteca básica da filosofia contemporânea. Desta vez a escolha recai no grosso tomo da Teoria do agir comunicacional, publicada em 1981 pelo filósofo alemão Jürgen Habermas (n. 1929).
Presente em diversas frentes – a bioética, o tema da Europa ou o revisionismo -, Jürgen Habermas permanece como um dos mais importantes intelectuais do nosso tempo. De início foi profundamente influenciado pelo marxismo e pela crítica da racionalidade técnica e científica, capaz de instrumentalizar a natureza, mas também o ser humano, ao serviço dos interesses da classe dominante. A publicação, em 1981, de Teoria do agir comunicacional marcou entretanto uma viragem no seu pensamento, afastando-o da teoria crítica proposta pela Escola de Frankfurt para revelar uma aproximação ao espírito das Luzes ao valorizar a comunicação como instrumento capaz, por si só, de produzir um consenso democrático. Compreende-se desta forma o seu empenhamento em agir no espaço público, que sob o seu ponto de vista ocupa um lugar essencial no funcionamento das nossas sociedades. Habermas é, reconheça-se, um autor de leitura certa forma difícil, e esta Teoria não escapa à regra. Nesta obra de cerca de mil páginas, o filósofo de Düsseldorf tentou nada menos que propor uma nova teoria da sociedade assente na comunicação. Para o conseguir, levantou uma história sistemática das teorias modernas – de Max Weber a Max Horkheimer e Adorno, passando par George H. Mead ou Émile Durkheim, mas também pelas conquistas da filosofia da linguagem com John L. Austin e John Searle – com o objetivo de estabelecer o seu conceito de «razão comunicacional».
Se, nas primeiras obras, Habermas fazia a crítica da razão ocidental como expressão de uma tecnociência dominadora e alienante, mostrou na Teoria do agir comunicacional que a razão detém igualmente uma função espontaneamente ancorada na linguagem e no discurso, passando até pelas suas formas mais próximas do viver quotidiano. Os enunciados emitidos por quem quer que procure fazer-se entender pelos outros repousam então sob uma tripla pretensão que estabelece a sua validação: a pretensão à exatidão, a pretensão à justiça na relação com o contexto social e as suas normas, e por fim a pretensão à sinceridade. Eis porque, na sua opinião, se torna possível, ainda que se não ignorem os desafios propostos pelos grandes sistemas metafísicos, chegar a um consenso sobre as normas éticas ou políticas, debatendo de maneira argumentativa. Percebe-se aqui o inevitável confronto de Habermas com o pós-modernismo. O pensamento pós-moderno não crê na razão: nele, todo o discurso é forçosamente relativo, contingente, uma vez que a nossa época teria mostrado a impossibilidade de se estabelecerem fundações cognitivas sobre normas universais. Pelo contrário, esta obra de Habermas demonstra que a razão comunicacional nos permite sair desse impasse relativista, «sem que nos tornemos dependentes do conceito de absoluto». [Tradução e adaptação de um artigo de Catherine Halpern.]