Na tentativa de explicar os primeiros indícios de mudança e o esforço de aproximação às pessoas comuns do novo papa, sinais que têm tornado ainda mais evidente o caminho de imobilismo e afastamento do mundo contemporâneo que marcou os dois últimos pontificados, muitos católicos têm declarado esta aparente metamorfose, e em particular a sua face mais afirmativa e calorosa, como «uma graça do Senhor». No entanto, dado que o conceito de «graça» se encontra associado à dádiva e à misericórdia divina, sendo por isso, e nessa medida, da exclusiva responsabilidade de Deus, tal não parece suficiente. A explicação da graça é a de quem acredita num ser superior, omnipotente e omnisciente, na sua bondade e na sua capacidade para intervir na esfera do humano, mas esta é uma justificação necessariamente incompleta, dado reforçar uma atitude de mera recetividade humana face à vontade divina. A verdade é que as eventuais mudanças, tal como os sinais que as estão a anteceder, estes já inequívocos, representam na prática – independentemente das boas intenções – uma resposta de parte da Igreja católica ao atoleiro de vícios e de ensimesmamento no qual esta se tem deixado submergir. A mudança é pois, para os não-crentes, não um ato de graça, mas antes o resultado de uma iniciativa humana personificada neste papa. Representa uma resposta a uma necessidade, determinada pelos problemas da própria Igreja e pela imprescindível reinscrição, ou reinicialização, do seu lugar no mundo. Se desta resultar uma Igreja católica melhor e mais próxima dos anseios, expectativas e necessidades que partilhamos, tanto melhor. Para todos, inclusive para aqueles não-crentes que sabem estender a mão.