Conhecido principalmente pela sua teoria da «sociedade do risco», que considera a atual distribuição dos riscos incapaz de corresponder às diferenças sociais, económicas e geográficas próprias da primeira modernidade, impondo ao mesmo tempo novos perigos disseminados à escala global e de mais difícil controlo, o sociólogo alemão Ulrich Beck (n. 1944) propõe-nos num curto ensaio uma interpretação pessoal da presente crise financeira e das suas consequências sociais e políticas para a Europa. O plano, singular e inspirador, comporta três partes: as duas primeiras têm uma natureza analítica, destacando as mudanças nos equilíbrios de poder que a crise dos mercados determinou e o novo mapa político que delas resultou; já a terceira é assumidamente prospetiva, tendo como objetivo sondar as formas de conseguir um novo contrato social destinado a manter a grande casa europeia, afastando para tão longe quanto possível a catástrofe anunciada e promovendo o gradual ressurgimento das condições de prosperidade, igualdade, partilha e democracia.
O ponto de partida é apresentado sob a forma de drama: a «pátria Europa», com as suas fronteiras abertas, as suas normas relativas à qualidade dos alimentos e do ambiente, a liberdade de expressão e de imprensa, as suas universidades ligadas em rede e cooperando entre si, a relativa fluidez do mercado de emprego, tornou-se de tal forma uma segunda natureza para os europeus, que estes têm dificuldade em considerar sequer a possibilidade de a perderem, o que os conduz, paradoxalmente, a aceitar de forma leviana, tolhidos pela incredulidade, o seu processo de destruição. E no entanto este encontra-se em marcha, num cenário de incerteza e previsível catástrofe. No eixo da mudança, Beck considera estar um «monstro político» com a forma de uma «Europa alemã», que promoveria o fim da União Europeia, mas também, mais cedo ou mais tarde, a decadência da própria Alemanha.
Identifica-se aqui um conjunto de tensões, sintetizáveis em quatro pares de conceitos: primeiro, «mais Europa» ameaçada pelo excesso de soberania inerente à lógica de «mais Estado nacional»; segundo, um «sentido do obrigatório», forçando uma mudança dos códigos estabelecidos bloqueada por ser «proibida pelas leis»; terceiro, uma «lógica da ameaça de guerra», substituída por uma outra, baseada na «ameaça do risco», que amedronta e tolhe o movimento; e como quarto e último par, uma intervenção no âmago do «capitalismo global» limitada pela persistência de excessivas «políticas nacionais». No centro do argumento de Beck encontra-se, como esses pares de conceitos deixam pressupor, a necessidade de uma Europa nova, forte e tendencialmente una, uma Europa dos cidadãos, necessariamente construída sobre as ruínas da Europa passada, velha, resultante da vontade das nações. Para a alcançar, é preciso abater um maquiavelismo de novo tipo, fundado no pragmatismo político de Angela Merkl. O antigo princípio de uma ética política fundada na lei do mais forte, no calculismo e no medo – proposto no Príncipe, em 1516, por Nicolau Maquiavel – é aqui retomado, sugerindo a aplicação de uma atitude análoga por parte da chanceler alemã.
Contra essa «Europa alemã», a alternativa surgirá então de uma nova política e de um novo contrato, associados, ao contrário do que tem ocorrido nos últimos anos, a mais liberdade, a mais segurança social e a mais democracia, como exigências para um novo equilíbrio e, a este ligado, para o lançamento de um desenvolvimento europeu mais partilhado. Uma alternativa que requer coragem: contra a pequena política, que apenas executa regras, o retorno urgente da grande política que as altera sempre que necessário. Sob a influência de um imperativo cosmopolita, capaz de evitar o estado de desigualdade imposto pelo excessivo peso das políticas antissociais vinculadas a interesses essencialmente nacionais.
Ulrich Beck, A Europa Alemã. De Maquiavel a «Merkievel»: estratégias de poder na crise do euro. Trad. de Marian Toldy e Teresa Toldy. Edições 70. 112 págs. Versão revista de artigo publicado na LER de Março de 2013.