Regresso ao debate sobre a saída deste beco escuro e infeto ao qual estamos confinados desde que a política de austeridade tutelada do exterior se tornou a pedra de toque do governo da República, servindo à medida os propósitos dos setores que de há muito pretendiam destruir o Estado social, limitar os direitos dos trabalhadores e reduzir as liberdades. Dando-lhes, pela primeira vez, força e coragem suficientes para levarem a cabo o ímpeto revanchista que, em cobarde silêncio, foram alimentando ao longo das últimas décadas. Esta é a primeira das duas calamidades à qual estamos sujeitos: ser governados por quem tem da coisa pública uma perspetiva puramente instrumental, transpondo a salvaguarda do interesse coletivo, ou do bem comum, em favor da assumida defesa do interesse dos que fazem da desigualdade o fundamento da vida social. Por sua vez, tratando-se de uma ação levada a cabo em nome de uma imposição apresentada como imperativa e irrecusável – materializada no caráter prioritário do pagamento, a todo o custo e a toda a velocidade, da dívida soberana –, tal política é-nos apresentada da pior maneira: como exercício arbitrário de uma autoridade insensível aos direitos das pessoas comuns, aos fundamentos da democracia e até ao quadro mais essencial da independência do país.
Mas, como se tal cenário não bastasse, existe uma segunda calamidade com a qual nos confrontamos: a imposta pela inexistência de uma alternativa clara, mobilizadora e factível. As direções dos partidos da oposição, que não esgotam a base de uma opção democrática mas sem os quais não existe escolha possível, não mostram, de forma visível, vontade efetiva de produzirem uma alternativa agregadora. A prova disso é-nos dada pela constituição das listas para as próximas eleições autárquicas, que poderiam e deveriam funcionar, sem grandes perigos, como lugar para testar e para consolidar uma proximidade de interesses na luta política, como balão de ensaio para uma solução governativa num futuro próximo. Mas ao invés, e ressalvando situações excecionais, todos os partidos da esquerda se empenharam em demarcar o seu próprio terreno e em mostrar ou até em aprofundar as suas diferenças, dando um claro sinal de incapacidade para a construção de uma aproximação orientada para uma nova maioria e para um governo verdadeiramente novo. Perdendo-se em tarefas de demarcação de terreno, desperdiçando forças em questiúnculas pessoais, confundindo-se em debates despropositados em tempo de crise aguda, em vez de se centraram na preparação cuidada mas urgente de uma aproximação programática mínima, condenam-nos, de facto, a uma solução de continuidade no quadro da atual maioria. Ou então, com ou sem eleições antecipadas, a uma dança das cadeiras que prolongará a espiral descendente. E não estou a ser pessimista.