Ao refletir no posfácio que ocupa quase metade da recém-saída edição nacional de O Amigo, de Giorgio Agamben (n. 1942), o seu autor, António Caselas, sublinha um aspecto que resulta fulcral no texto do filósofo italiano: «A amizade é essencial ao relacionamento político e não um artifício privativo que disfarça uma falta.» E, no entanto, é justamente a confusão entre estas duas leituras, e principalmente o destaque dado à segunda aceção, que denuncia o modo como o conceito tem vindo ser progressivamente vulgarizado, ou mesmo depreciado, no domínio do público. No limite, os conceitos de «amigo» e de «amizade» presentes hoje nas redes sociais são contaminados por aquela presunção segundo a qual eles representam um relacionamento privado e entre indivíduos. Ao mesmo tempo, porém, o próprio conceito de rede questiona esta perspetiva, uma vez que a ligação pessoal é publicamente exposta, a uma escala nunca vista, passando a assumir uma dimensão social que lhe confere um significado inevitavelmente político.
Conhecido sobretudo pela teoria do homo sacer, sujeito em larga medida identificado pela sua condição social de excluído, Agamben parte aqui de Politiques de l’Amitié, o texto clássico de Jacques Derrida, que toma como ponto de partida, para sublinhar na abordagem filosófica da amizade de que forma, sendo uma componente essencial da comunicação humana, ela tem, paradoxalmente, uma grande dificuldade em ser mantida se não for alimentada. O «amigo» não possui por isso uma denotação objetiva: não se o é por condição, mas por uma lógica do ser dependente das situações. Talvez seja esta a chave possível para melhor entender uma piada que circulava há tempo sobre o Facebook: num velório vazio alguém comentava a circunstância do falecido ter milhares de «amigos» naquela rede social e nenhum deles ter aparecido para a derradeira despedida. Quando o filósofo escreve que «a amizade é, de facto, uma comunidade», aceita-a como algo superior, que distingue a aproximação entre os humanos «do gado que apenas partilha o mesmo pasto», mas acentua o seu caráter transitório e intensamente dependente do percurso das relações humanas. São sempre elas o que mais conta.
Giorgio Agamben, O Amigo. Trad. Luís Serra e Manuela Ramalho. Posfácio de António Caselas. Edições Pedago. 42 págs. Versão revista de nota publicada na LER de Maio de 2013.