Resulta sempre difícil defender a liberdade da crítica e lamentar ao mesmo tempo o uso que dela é feito em determinados espaços de comunicação. Mas existe uma diferença muito grande entre aceitar as opiniões dos outros, por mais avessas que elas possam ser às nossas próprias convicções, uma diferença entre defender o direito à expressão de quaisquer pontos de vista, e admitir que tal seja feito recorrendo a meios de comunicação que, pelo seu prestígio e alcance, legitimam a incoerência dos argumentos e mascaram a falsidade ou a desonestidade das afirmações.
Convivo bem com a diferença, com a divergência, com a exposição serena mas convicta e bem argumentada de pontos de vista muito diferentes dos meus, mas aceito muito mal, e não me arrependo disso, a ignorância disfarçada de esperteza que finge ter fundamento o que não passa de fugaz atoarda. Repugna-me a desonestidade camuflada de fajuta erudição e destinada a agredir ou a caluniar os outros, que arvorando o direito democrático de escrever o que se quer desconsidera a inteligência de quem lê. Contribuindo, com tais manobras, para a difusão da ignorância e da falta de respeito pelo princípio edificador da democracia que é o direito de cada um pensar e dizer aquilo que bem entender sem que tal o prejudique ou diminua perante os outros.
Quando, nos jornais, passo ocasionalmente os olhos pelas colunas regulares do padre Gonçalo Portocarrero d’Almada (no Público), de Henrique Raposo (no Expresso) ou de João César das Neves (no Diário de Notícias), entre outros de idêntica estirpe, lá caio invariavelmente nesta certeza: esta gente pode escrever o que lhe der na gana, desejando eu, do fundo do coração, que jamais lhes falte a sopinha na mesa e a possibilidade de gozarem uma velhice sossegada, mas não tem idoneidade intelectual, ética ou política para lhes serem oferecidas (pior ainda, para lhe serem pagas) tribunas tão privilegiadas. Porque agride a inteligência da esmagadora maioria dos leitores e inocula o veneno antidemocrático nos outros. Porque espalha lentamente, gota a gota, o vírus negro do fascismo, retirando credibilidade aos jornais idóneos que a acolhem.