À medida que nos aproximamos das eleições autárquicas, áreas nucleares da paisagem urbana de cidades e vilas – as suas praças e rotundas, as principais vias de acesso, os espaços de utilização comunitária – estão a ser ocupados por gigantescos cartazes de propaganda das candidaturas. Herdeiro do antigo design construtivista russo e da escola da Bauhaus, o cartaz sobreviveu à manipulação pelos regimes totalitários e ao surgimento das novas técnicas de comunicação oferecidas pela televisão e pela Internet, sendo profusamente utilizado pelas democracias. É fácil perceber porquê: sob a forma de outdoor é um instrumento de acesso fácil, impõe-se por si mesmo e não precisa ser descodificado, integrando slogans de captação rápida, otimizados para ficar na memória de quem os observa num piscar de olhos ou em movimento.
No entanto, a maioria daqueles que se nos deparam nestas ocasiões exibem um claro mau gosto e desacerto, mostrando-se por vezes agressivos, perturbadores do equilíbrio visual dos espaços, e, por tais motivos, de duvidoso resultado. Sem entrar em aspetos técnicos que maçariam quem me lê – relacionados, por exemplo, com a escolha das cores e dos tipos de letra -, destaco dois fatores essenciais de enunciação desse mau gosto. O primeiro tem a ver com a imagem dos candidatos, geralmente apresentados de forma muito rígida, nada fotogénica, em «poses de Estado» muito pouco cordiais, ainda que acompanhadas de um equívoco sorriso. O outro fator prende-se com a ausência de clareza e de imaginação nas curtas frases escolhidas para identificar os propósitos programáticos, frases em regra banais, sem imaginação e de uma vacuidade completa. Nas andanças deste agosto anotei algumas: «X em Primeiro», «Todos com Y», «Z é nosso», «Valorizar W», e outras de análogo e inócuo teor.
Mas o mais grave é a forma, redutora do ponto de vista democrático, segundo a qual a mensagem que se pretende passar é ilustrada, quase sempre associada a uma excessiva personalização. A apresentação das equipas e dos seus rostos, a identificação das suas dinâmicas e dos processos de vinculação às necessidades locais e aos anseios dos cidadãos, são em regra menosprezados ou ignorados, escondendo-se e desresponsabilizando-se os candidatos que se seguem à primeira figura, esquecendo-se a clara enunciação dos propósitos e não se identificando o que confere real identidade às listas. Dir-se-á que estes aspetos são de mais difícil transmissão e que a maioria dos cidadãos não está interessada em campanhas mais complexas, mas é dever das candidaturas, e dos partidos que em regra as sustentam, abandonar a intenção de apelar ao voto da mesma forma que se apela à aquisição de um qualquer produto comercial. As eleições autárquicas são momentos capitais de cidadania, não meras feiras de vaidades ou de ilusões. E os eleitores não são tontos ou analfabetos.
Publicado originalmente no Diário As Beiras. Versão revista.