Nos últimos vinte anos o interesse pela história do comunismo foi ampliado por dois fatores decisivos. O primeiro foi, naturalmente, a avalancha de mudanças propiciada pelas circunstâncias que levaram à Queda do Muro, instigando o interesse pelos fatores de transformação ocorridos em Estados que ao longo de décadas haviam sido olhados como subordinados a regimes imutáveis. A este fator de interesse foram adicionadas as estimulantes possibilidades de um alargamento do conhecimento trazidas pela abertura pública de arquivos até então inacessíveis e particularmente aproveitadas pelos historiadores. O segundo fator foi imposto pela presente reafirmação da desigualdade e da instabilidade do capitalismo, que tem proporcionado um regresso à crítica sistémica proposta por Marx e a uma reavaliação da justeza do valor utópico e emancipatório do ideal comunista. Recentemente vertida para o português, A Bandeira Vermelha, do historiador britânico David Priestland, relaciona-se com ambos os fatores, embora o faça de uma forma que permite diferenciá-la de outras obras de síntese sobre a história do comunismo que foram editadas nos últimos tempos.
Deteta-se aqui o cuidado de escrever uma história da experiência comunista que seja capaz de sublinhar a sua diversidade e a sua mutabilidade. Da emergência do ideal igualitário e coletivista no curso da Revolução Francesa às experiências que sobreviveram ao termo da União Soviética, Priestland retira uma permanente dimensão de reinvenção, e até de experimentalismo, que não é vulgar invocar-se neste campo de estudos. Tal implica a clara noção de que as diferentes experiências históricas do socialismo, tanto na sua forma reivindicativa quanto na forma que este tomou quando se traduziu em experiências de poder, foram tudo menos a monocórdica repetição de um modelo pensado por Marx e dogmatizado por Lenine. Os elementos de instabilidade, diversidade e inovação são, aliás, documentados, de forma rara neste género de trabalhos, com recurso a obras de caráter ficcional ou artístico marcadas por diferentes circunstâncias. Por outro lado, fazendo a crítica das contradições evidenciadas entre sucessivos programas e tentativas, e aceitando a falência das experiências dos Estados do «socialismo realmente existente», David Priestland reconhece a possibilidade, nas atuais condições, da preservação de um ideal igualitário que retome a dimensão criadora e revolucionária do comunismo.
David Priestland, A Bandeira Vermelha. História do Comunismo. Trad. de Manuel dos Santos Marques. Texto. 784 págs. Versão revista de uma nota de leitura publicada na LER de Setembro de 2013.