O pior que pode fazer-se no exame de uma situação complexa é reduzi-la ao aparentemente simples. É como limitar uma árvore à fixidez do tronco, ignorando a instabilidade da folhagem e a projeção da sua sombra. No entanto, na interpretação dos conflitos internacionais, esta é uma prática muito comum, em regra determinada – longe da aparente simplicidade dos conflitos da Guerra Fria – pela ignorância da sua crescente complexidade. Ou então, pior, por condicionamentos políticos que determinam um traço de giz separando de uma maneira demasiado esquemática o bom, o aceitável, o justo, daquilo que se considera mau, inaceitável ou iníquo. Quando afinal tudo se mistura em formas intrincadas, impossíveis de integrar numa interpretação linear que possa ser imposta por decreto ou pela força bruta das armas.
Tem sido isto o que tem acontecido com a recente evolução da situação política na Ucrânia. É óbvio, para quem não possuir uma leitura condicionada em excesso pela ideologia, que no terreno se enfrentam forças nas quais são vislumbráveis clivagens do mesmo lado da barricada. Do lado do setor pró-russo, representado principalmente por Yanukovich, o ex-líder do Partido das Regiões e presidente deposto, que se manteve no poder com o apoio suplementar do Partido Comunista da Ucrânia, encontram-se marcas das antigas contradições de natureza étnica, e até de uma nostalgia da velha URSS, que pautam o comportamento dos seus apoiantes. Do lado da ex-oposição, que conta com a simpatia de parte da União Europeia e dos EUA, misturam-se setores adeptos de uma democracia representativa com maior autonomia em relação a Moscovo, com setores nacionalistas, ou mesmo de extrema-direita, estes particularmente bem organizados e violentos, apoiados no ressuscitar de querelas que a integração na URSS nunca resolveu. Uns e outros estão a envolver uma população particularmente empobrecida e desesperada num conflito sangrento que pode pôr em causa a paz na região, piorar a vida de um volume imenso de pessoas, e até questionar a sobrevivência da própria Ucrânia.
Parece óbvio que nesta situação não é preciso mais rastilho para se chegar rapidamente a índices de violência e a conflitos como desde a Segunda Guerra Mundial não se viam na região. Por isso o papel moderador da diplomacia internacional será decisivo. Mas por isso também é particularmente negativa a solução russa que se decidiu pela invasão armada de um Estado soberano. E é inaceitável a posição daqueles setores da opinião pública internacional, sempre preocupados com a intromissão nos assuntos internos de Estados soberanos quando esta se articula com os interesses geoestratégicos que considera negativos, mas fica muda e queda quando são aqueles que considera «bons», seus companheiros de jornada reais ou imaginários, a fazer rigorosamente a mesma coisa. Aceitando afinal, como aconteceu na Hungria de 1956, na Checoslováquia de 1968 ou no Afeganistão de 1979, que existem intervenções externas inteiramente compreensíveis, necessárias até, e outras totalmente indesculpáveis. Dependendo a qualificação não de princípios gerais de política mas da identificação dos atores no terreno.