Um dos dramas deste tempo difícil e perturbante que estamos a viver reside na aparente incapacidade para vislumbrar uma saída. Diante da política de terra queimada imposta pelo governo, da sonegação dos direitos sociais que foram uma conquista de décadas de esforços partilhados, da diminuição brutal da qualidade de vida da generalidade das pessoas, da subversão do modelo de desenvolvimento que, apesar de imperfeito, nos levou a superar a condição aparentemente atávica de parente pobre e periférico de uma Europa outrora distante e sobranceira, quase parece impossível erguer uma alternativa. A tristeza, a incerteza e a descrença tomaram conta das nossas vidas, das nossas ruas, tornando-nos sonâmbulos sem autoestima, esperança ou uma ideia razoável de futuro.
Existem, é verdade, uns quantos portugueses que ainda apoiam a atividade errática e destrutiva da maioria PSD-CDS. Não porque ela exprima qualquer desígnio ou plano, mas porque se apresenta, com o apoio de boa parte da comunicação social, como «a única possível». O pior, porém, é que parte da oposição mais à esquerda (PCP, Bloco e outros) pouco tem feito para contrariar de forma consistente tal ideia, centrando a sua iniciativa quase exclusivamente no protesto, na reivindicação e na enunciação da necessidade abstrata de outro governo, sem especificar objetivamente como se chegará a ele, com que forças será constituído e em que bases programáticas essenciais funcionará. O papel do protesto público é imprescindível, sem dúvida, sendo até mais débil do que a situação justifica. Mas é óbvio que só por si este nada resolve, sendo necessário construir uma real alternativa de governo, com protagonistas identificados, em condições de agregar o apoio da maioria dos cidadãos e de determinar uma mudança radical de políticas.
Do lado do PS, sem o qual não existe a curto prazo uma solução de governabilidade – e reconhecê-lo não significa apoiá-lo – as coisas são diferentes, embora não melhores. É verdade que a atual direção se tem considerado a natural destinatária do voto maioritário nas próximas legislativas. Mas a forma como proclama uma solução em larga medida de continuidade, com alterações meramente pontuais, jamais de fundo, àquelas que o governo tem vindo a praticar, só poderia traduzir-se, com aconteceu nas eleições europeias, numa vitória por escassa margem e numa incapacidade real para mobilizar a vontade de quem preferiu abster-se, votar nulo ou em hipóteses inconsistentes e populistas. A proposta protagonizada por António Costa, parece, apesar de tudo, mais ousada, mais mobilizadora, mais capaz de estabelecer pontes, por mínimas que sejam, com a restante esquerda, mas precisa ainda ser melhor clarificada. Um caso de ver para crer.
Digo isto na convicção de que uma solução de governação para o imediato – não aquilo que gostaríamos de imaginar para o dia de São Nunca – passa pela convergência conjuntural das esquerdas. Mantendo, naturalmente, as suas diferenças, que são substanciais e em alguns casos insolúveis nos próximos tempos, mas que podem aproximar-se num projeto que permita, com realismo mas também com coragem, ultrapassar as trincheiras e estabelecer um quadro básico de cooperação. Assente em alguns princípios fundamentais (renegociação da dívida pública, dinamização e modernização da economia, recuperação do Estado social, maior iniciativa no plano diplomático, investimento na ciência, na cultura e na educação, recuperação do respeito público pelos partidos, pela política e pela democracia) e capaz, não propriamente de iniciar uma quimérica revolução, mas de agregar forças e construir uma alternativa em condições de salvar o país da desgraça e de devolver alguma esperança às nossas vidas. Esta é a prioridade.
Crónica publicada no Diário As Beiras (versão revista)