Não me refiro às opiniões racistas e xenófobas a propósito da crise dos refugiados que andam a circular. Geralmente vindas dos ambientes de extrema-direita, são próprias da natureza de quem os frequenta e o seu destino é o lixo. Mas a verdade é que tenho lido textos detestáveis, assumidos em nome de grandes princípios políticos com parte dos quais até posso simpatizar, que em termos práticos em pouco se distinguem daqueles escritos por protofascistas. Embora de diferente forma, tal como eles ocupam-se também com denegrir as campanhas humanitárias ou os cidadãos preocupados com a vaga de refugiados que está a chegar à Europa à procura de paz, de algum ganha-pão e de um telhado seguro sob o qual possam dormir.
Para os autores dessas prosas negras tingidas de vermelho, a chegada destes refugiados é essencialmente manipulada pelos governantes hipócritas dos países capitalistas, servindo para limpar a sua imagem pública e para desviar a atenção dos verdadeiros problemas, e contribuindo objetivamente para enfraquecer os movimentos sociais que tais prosadores defendem como prioridade das prioridades. Chega-se ao ponto de sugerir que parte muito significativa dessas pessoas que nos estão a chegar de territórios em ruínas, talvez mesmo a maioria delas, é composta por agentes infiltrados – e até pagos, como li há dias num artigo saído no Público – do imperialismo norte-americano, sempre interessado em enfraquecer a Europa. Ou então por delinquentes profissionais, beneficiários potenciais dos conflitos e do caos que este êxodo poderá causar.
Assim aconteceu há algum tempo com Malala Yousafzai, a menina paquistanesa atacada e quase assassinada por um punhado de talibãs e militante do combate global pelo direito à educação, sobre a qual li um texto miserável, publicado no mensário francês Books pelo jornalista indiano Ajachi Chakrabarti, no qual era chamada de «ícone útil do Ocidente». Assim aconteceu com a forma como foram denegridas as pessoas que espontânea e genuinamente, de imediato se indignaram com o atentado contra os jornalista do Charlie Hebdo, atacadas por esse género de escribas como «idiotas úteis» ao serviço dos Estados europeus e dos seus dissimulados governos. E assim acontece agora com uma certa forma de comentar as marchas desesperadas das multidões que chegam do Médio Oriente, a solidariedade que as rodeia ou mesmo o uso da fotografia perturbante do cadáver do pequeno sírio Alan Kurdi.
Nada do lado do bem e do mal é absoluto, e tudo inclui o seu reverso, como há muito tempo bem ensinou mestre Marx, mas deixar que a complexidade das coisas tolha a nossa capacidade para ser solidários com quem precisa mais desesperadamente de ajuda e de compreensão, é totalmente inaceitável. Venha de onde vier, é uma prova de fascismo moral. Espalhar veneno sobre causas humanitárias justas e urgentes, por razões ideológicas, porque não as controlamos politicamente ou apenas porque nelas participam governantes dos quais legitimamente suspeitamos, é próprio de gente que não merece respeito. Da qual deveremos sempre desconfiar.