O uso da força como instrumento da autoridade política é uma das experiências mais antigas das sociedades humanas. Porém, terá sido apenas em 1879, ao rebater em livro algumas ideias do filósofo alemão Eugen Dühring – defensor de uma variante de socialismo de pendor moral, concorrente com a marxista –, que Friedrich Engels considerou a violência a «parteira da História». Por si tomada como fator decisivamente dinâmico da origem e do desenvolvimento das sociedades. Porém, o amigo e correligionário de Marx não se referia apenas à guerra, invocando também os outros processos de afirmação da ordem política impostos pela coação e pela ameaça, projetadas sobre os poderes menores e sobre os povos subjugados, ou então por estes invocados. Um processo necessário, aos seus olhos, para substituir o velho pelo novo, sempre no quadro da luta de classes.
O mundo atual, passada que foi a razoavelmente saborosa e fugaz distensão dos anos que se seguiram à queda do Muro de Berlim, parece, a todo o instante, dar de novo sentido à análise proposta por Engels, colocando a relação entre os Estados, principalmente entre os mais poderosos, e aquela que cada um deles mantém com os seus vizinhos, numa situação de incómoda tensão que determina a ordem internacional e os programas dos governos. Nela, a força é uma constante, seja de forma explícita, marcada pelo ruído medonho da bota militar, seja resultante de uma ameaça mais ou menos velada.
Neste momento, a chegada à presidência dos EUA do imprevisível e pouco confiável Donald Trump, bem como a posição musculada imposta na Rússia por Vladimir Putin – a China é bem mais discreta, embora não menos insidiosa –, parecem confirmar esta tendência. O novo inquilino da Casa Branca propõe-se agora retomar uma ideia de grandeza – «make America great again» – assente no protecionismo económico e na recuperação de um sonho imperial de liderança, a seu ver perdido nos anos de Barak Obama. Já Putin tem vindo a tentar retomar, dentro de fronteiras e na área histórica de influência da Rússia, a posição de grande potência que a antiga União Soviética em tempos deteve. Exemplo dramático desta dupla interferência, mais evidente a cada dia que passa e nem sempre antagónica, é a iniciativa militar aplicada na Síria e no Iraque.
Entre ambos, qual será então o papel da velha Europa? Não é segredo para ninguém a posição de subalternidade e inépcia política, temperada por assomos de um autoritarismo seletivo, que a União Europeia tem vindo a aplicar nas últimas décadas. Forte com os fracos, embora fraca com os fortes. Enrolada nas suas contradições. Com a chegada de Trump ao poder, e com a passagem de Putin para um novo patamar de intervenção e ameaça, torna-se particularmente dramático o impasse em que vive. Se a necessidade de uma reformulação profunda da colaboração entre os Estados europeus era já uma evidência, agravada pela crise financeira e pelo problema dos refugiados, agora existe também o imperativo de produzir uma alternativa às pressões e à cobiça dos impérios. Só assim sobreviverá como espaço de desenvolvimento e bem-estar, casa-mãe da liberdade e do pluralismo, zona franca de direitos sociais e solidariedade. A Europa será isto ou nada.
Versão ligeiramente ampliada do artigo publicado no Diário As Beiras