1 – O alívio das correntes democráticas que se opõem ao autoritarismo, à xenofobia e ao racismo foi grande com a derrota da candidata da extrema-direita. Devem excluir-se destas aqueles setores, supostamente de esquerda, manifestamente indiferentes a uma eventual vitória de Marine Le Pen.
2 – Cerca de um terço dos votantes confiou em Le Pen. Uma posição clara e atempada da candidatura de J.-L. Mélenchon teria por certo limitado os danos. Não pode esquecer-se que dois terços dos seus ativistas, em referendo interno, defenderam o voto branco ou nulo. E que um número razoável dos seus eleitores apoiou agora a extrema-direita. Dir-se-á, pois, que em votos efetivos, a extrema-direita rondará os 20%, o que corresponde à votação na primeira volta das presidenciais.
3 – Ainda assim, o perigo é grande e não passou. Todavia, não é segura a previsão dos que declaram como inevitável o crescimento próximo futuro da Frente Nacional, ou do novo partido que dela agora vai sair. O seu crescimento deve-se mais ao descontentamento de setores, muitos deles dos mais explorados e desprotegidos da população francesa, que não será impossível recuperar para o campo democrático com políticas corretas.
4 – Emmanuel Macron está numa encruzilhada. Procurar meter interesses contraditórios no mesmo saco não augura nada de bom. A sua origem neoliberal faz antever posições que a esquerda terá de combater. Mas como em política tudo é complexo, se cumprir algumas das promessas veremos uma França com maior protagonismo internacional que o do desgraçado Hollande. Macron pode favorecer uma alteração da atual política da UE, retirando protagonismo à facção do ministro alemão Schäuble e abrindo algum espaço aos países do sul. Ou não, é claro: ainda é cedo para saber.
5 – O velho gaullismo morreu, sem que alguém tivesse feito o favor de o avisar previamente que já há muito estava moribundo, pois vivia na ficção de que o governo desastroso de Hollande e do PSF o recolocaria automaticamente no poder. Macron irá ocupar agora o espaço do centro-direita, favorecido também por uma renovação da imagem e da linguagem republicanas. Como já se pôde ver, aliás, no discurso público pronunciado na noite da sua eleição.
6 – A esquerda encontra-se também numa encruzilhada. O PS francês parece ter entrado numa espiral de autodestruição, em primeiro lugar da responsabilidade de Hollande e de Valls, que Hamon provavelmente não saberá ou poderá parar num curto prazo. A France Insoumise, de Mélenchon, é ainda uma amálgama de correntes com posições por vezes contraditórias. Nomeadamente em relação a escolhas sobre a Europa e o euro, onde se aproxima da extrema-direita. Alguns ímpetos sectários que demonstra também não são animadores.
7 – Daqui por cinco semanas, as eleições legislativas abrirão inevitavelmente uma Caixa de Pandora. É escasso o tempo para grandes clarificações, são muitas as dúvidas e longo o caminho a percorrer. «Vive la République!»
[Originalmente publicado no Facebook]