Conto-vos como foi, para mim e para o meu círculo de afinidades, mas também para tantos outros que queriam ver-se livres do antigamente que nos sufocava, cantar a liberdade antes de Abril. Ir noite cerrada para os quartos mais altos das repúblicas estudantis, ou para apartamentos dos arredores que ingenuamente julgávamos seguros, e pôr a rodar vinis da Colette Magny, de Luis Llach, do Brel, do Ferré, da Mercedes Soza, do Jara, do Paco Ibañez, acompanhando-os num coro tão desafinado quanto entusiasta. Também escutar, vezes sem conta, o Zeca, o Adriano, o Zé Mário, o Cília, o Sérgio ou o Tino, bravos que pela palavra nos parecia estarem ali ao nosso lado.
Também o Bella Ciao, a Bandiera Rossa, a Ay Carmela!, o Si Mi Quieres Escribir, o Chant des Marais, a Internacional, cantados aos berros e em grupo, preservados da polícia pelos vidros fechados dos carros em segunda mão ou em caminhadas ao vento ou à chuva, por estradas e caminhos escolhidos por os presumirmos desertos. Ainda um Jean Ferrat a entoar o Camarade ou poemas do Aragon num velho gravador de bobinas, ligado debaixo de um cobertor numa casa isolada em pleno dezembro. E depois toda aquela música juvenil importada à socapa, mais ou menos eletrificada e ritmada, que raramente tinha textos políticos, mas integrava uma dimensão libertária e libertadora da vida pessoal que tanto desejávamos e pela qual também valia a pena combater.
Quando com a madrugada de todos os possíveis chegou a definitiva Grândola, partilhámo-la com a emoção e tomámo-la como um hino, mas já estávamos preparados.