A história da escrita e da leitura é também a história da censura e a da autocensura. Feita de temas proibidos, de lápides e pergaminhos rasurados, de livros queimados ou que não puderam circular livremente, de interpretações silenciadas, de autores atormentados e mortos, e de outros que, pelo temor da perseguição, acabaram por calar-se, por cultivar a arte do enigma, certas vezes, não poucas, por abandonar mesmo a escrita. Existem milhares de estudos, de alcance e valia diversos, sobre o caminho das práticas censórias, sobre os muitos e diferentes regimes que as estimularam, sobre autores que sob o seu peso padeceram ou sucumbiram, ou sobre obras perseguidas, muitas delas, sobretudo entre as publicadas antes da invenção da imprensa, das quais para sempre se perdeu o rastro.
Do que pouco se fala é, no entanto, sobre livros proscritos em sociedades democráticas, que formalmente rejeitam a censura. São sobretudo aqueles, de teor heterodoxo, crítico ou inovador, em termos de conhecimento ou de perspetiva, que põem em causa a crença numa religião, numa filosofia, numa ideologia, num credo ou num programa político, numa teoria estética, numa perspetiva da história que se pretende unívoca e definitiva. Sobre eles, aqueles que não querem ver perturbada a sua fé, aqueles que aderiram a uma mundovisão que dá sentido ao mundo que imaginam e à vida que vivem, sempre se esforçam por fazer descer uma cortina. Procurando desacreditar autores e ideias, por vezes sem sequer terem olhado com atenção a obra ou o argumento que temem conhecer e ao mesmo tempo tentam calar. Mesmo em sociedades democráticas, insisto, nas quais ninguém é preso por se abrir ao desconhecido ou por adotar ideias novas, assumindo o desafio de questionar ou de relativizar aquelas que em certo momento abraçou.