Por vezes dramaticamente perdida entre as referências que lhe chegam do passado, uma parte da esquerda procura agarrar-se ao que lhe parece serem expressões contemporâneas da rebelião anticapitalista. Uma das estratégias, em curso desde há meia dúzia de anos, consiste em recuperar o hip-hop como expressão cultural de uma contestação de dimensão mundial protagonizada por jovens das periferias – os das grandes cidades, mas também os que habitam as áreas excluídas do planeta – ou por aqueles que com eles se identificam. E todavia, o próprio movimento, emergente a partir da década de 1970, foi gradualmente perdendo a sua força reivindicativa, tendo-se separado do mundo dos gangs e da delinquência de rua no qual nascera e onde ia buscar toda a sua primitiva força. Actualmente, como género musical, é apenas um vestígio revivalista, convenientemente domado e aproveitado para actividades de marketing pela indústria discográfica e pelo comércio das roupas e do calçado, quando não mesmo pelos partidos institucionais e alguns movimentos conservadores (como aquele que, entre nós, tem apoiado o «não» no referendo sobre o aborto). Representa um logro desenhá-lo agora como expressão globalizada de uma justa «revolta do oprimido», ou mesmo como emblema de geração. Sê-lo-á quase tanto quanto o velho rock’n’roll.