Como muito bem sabe quem circula pelo mundo académico, a bibliometria, tendo surgido por algumas boas razões – nomeadamente para tentar impedir que certas pessoas progredissem na profissão sem provas dadas, apenas por antiguidade ou por esquemas corporativos de proteção – transformou-se numa doença. Acabou por fazer inverter, no prestígio e valorização da produção científica, a relação entre a qualidade e a originalidade, de um lado, e a quantidade e a mimetização, do outro. Hoje em dia, e por este motivo, a maioria dos investigadores preocupa-se mais em acumular referências no currículo, e assim ir somando pontos e subindo nos concursos, do que em «deixar marca» com um trabalho original, necessariamente moroso e que é escassamente classificado.
Para quem não saiba, neste universo escrever um livro de 500 páginas absolutamente original, ou fazer uma descoberta científica notável, vale, em regra, bem menos que publicar cinco artigos de apenas 15 ou 20 páginas, cada um, em publicações que contem com revisão «por pares». Ainda que estes artigos possam ser basicamente, como com muita frequência ocorre, a réplica ou o complemento uns dos outros. Deste modo, quase todos os investigadores, tenham eles ampla ou escassa experiência, se vêm forçados a peregrinar de «call» em «call», de publicação em publicação, de colóquio em colóquio, lutando desesperadamente para conseguirem inscrever uma linha mais no deve/haver do saldo bibliométrico que lhes permite sobreviver num universo competitivo.
Escrevo estas palavras com relativo distanciamento, pois há algum tempo decidi afastar-me dessa espécie de escravatura para me dedicar ao que posso e sei fazer menos mal, e também ao que faço mais por gosto que por dever. Todavia, sei que se fosse um pouco mais novo não poderia fazê-lo, uma vez que seria cilindrado de cada vez que, na avaliação profissional ou em concursos e projetos, tivesse o meu trabalho de ser pesado ao grama e medido ao milímetro. Existe até quem viva deste mercado negro, fazendo com que os desgraçados dos investigadores paguem do seu bolso, ou ofereçam trabalho gratuito, para inscreverem o seu nome no programa de um congresso ou no sumário de uma publicação que na verdade só umas dezenas de pessoas leem.
Isto a propósito de mais um mail que recebi onde se sugere que envie um artigo ou aceda a fazer uma revisão científica numa revista pouco conhecida. O objetivo dos promotores é este: se eu e mais umas boas dezenas de académicos acedermos a publicar ali, ou integrarmos o «editorial board», o seu prestígio internacional aumentará, e assim será mais fácil atrair jovens investigadores, sempre a acotovelarem-se no barco salva-vidas do «publish or perish», do «publica ou morre» sem o qual os espera o desemprego ou uma vida distante do que gostam de fazer e tanto trabalho lhes deu. O curioso é que nesse mail se justifica o pedido que me é feito pela «elevada qualidade» de um certo «artigo» por mim escrito numa revista universitária que coordenei e como ele atesta o meu «nível de conhecimento». O suposto artigo chama-se «Presentation note» e era isso mesmo, não mais que uma nota de apresentação de meia página. Mas o robô caça-académicos é cego e apenas sabe fazer contas de deve e de haver.
Rui Bebiano