Quase não tenho encontrado, nas análises das presidenciais norte-americanas, a abordagem de um aspeto importante. Em regra, todos os artigos insistem na importância decisiva de um eleitorado hesitante e facilmente influenciável. Aquele que, parecendo neste momento tender com clareza para Joe Biden, poderá a todo o momento, perante um golpe de propaganda ou uma chantagem de Trump – e isto para ele são feijões – mudar rapidamente de campo. Do que poucos falam é de uma boa parte do eleitorado norte-americano de esquerda, que nas eleições anteriores se recusou a votar em Hillary por antes ter preferido Bernie Sanders e poderá voltar a fazê-lo, entregando milhões de votos perdidos ao adversário. Mesmo tendo Sanders apelado claramente ao voto em Biden.
É verdade que o ódio a Trump e o reconhecimento do perigo crescente e do retrocesso que este representa têm vindo a aumentar entre os eleitores democratas (e até, diga-se, numa franja dos republicanos), mas não é de desvalorizar aquela possibilidade. Uma pecha das esquerdas em muitos momentos da sua história; quando, não podendo vencer, tantas vezes saiu de jogo recusando-se a tomar uma posição ativa e entregando a vitória ao mais forte, ainda que este tenha podido ser o pior. Como aconteceu na Alemanha da República de Weimar quando da ascensão dos nazis, o exemplo mais conhecido. A teoria do «inimigo principal» está sempre presente no debate teórico da esquerda, mas levá-la até às escolhas objetivas requer mais decisão e menos teimosia. A ver se os eleitores da esquerda norte-americana desta vez têm mais juízo.