Se comparadas com os testemunhos individuais, sempre mediados por aquilo que são hoje as pessoas que os revelam, perturbam bastante – talvez mais até a quem por dentro as viveu – as imagens do Portugal do tempo do outro senhor que António Barreto e Joana Pontes nos têm oferecido. Assim aconteceu, durante o episódio da noite passada, com as hesitações daquele homem, de gasto fato completo e chapéu de pano, a velha mala reforçada com um cordel, que tremia ao ver-se na obrigação de atravessar a rua movimentada da cidade grande. Que começava a travessia mas parava, voltando atrás, limpando o suor com um lenço, olhando desesperado como que a pedir auxílio. Naquele início da década de 1960, vindo de longe, provavelmente de uma aldeia ignorada dos mapas do asfalto, o homem tinha medo de Lisboa: dos automóveis que não abrandavam para o deixarem passar, das pessoas que não o saudavam, da incerteza de poder comer a hora certa e de encontrar a morada do conterrâneo que trazia escrita num pequeno rectângulo de papel que não sabia ler.