Quem tenha alguma formação histórica, ou pelo menos uma sensibilidade ou uma dose de saber que a possam incorporar, sente sempre um profundo incómodo quando se confronta com formas de anacronismo. Esclarece o Houaiss ser este um «erro de cronologia que geralmente consiste em atribuir a uma época ou a uma personagem ideias ou sentimentos que são de outra época». Pode também corresponder, seguindo a mesma fonte, «a uma atitude ou facto que não está de acordo com a época» de quem o exibe. Detém, pois, um âmbito bastante alargado, e se o primeiro sentido é mais fácil de detetar e de corrigir, uma vez que contém uma dimensão de índole essencialmente factual, já o segundo, porque se situa no domínio dos comportamentos individuais, é bem mais difícil de perceber ou de procurar mostrar a quem o pratica que na verdade está errado ou deslocado.
Sendo historiador de formação, e com mais de quatro décadas de experiência como professor, confrontando-me com sucessivas e diferenciadas gerações de alunos – mas talvez também porque tenho um aversão idiossincrática pela repetição ou pelo imobilismo – consigo percebê-lo, creio, com alguma agudeza. Por vezes, até nos meus próprios comportamentos e palavras. Se possível, ou fizer sentido, corrijo-os, embora seja muito difícil tentar convencer outros a fazê-los. Sobretudo aqueles que não aceitam que sobre este ou aquele assunto possamos saber um tanto mais. Ou quem considera que tudo vale e é equivalente. Já as formas de anacronismo que têm a ver com o conhecimento – agora tão comum na constante tentativa de pôr atores do passado, ou pessoas muito mais velhas, a agir e a falar de acordo com os códigos do presente – essas tanto podem ser um sinal de ignorância quanto de sectarismo e falta de empatia perante o outro. Frequentes vezes as duas coisas em simultâneo.