Podemos estar a viver um desastre anunciado, relacionado com uma forma redutora de fazer política. Na sua aceção mais básica, esta é, desde a antiga Grécia, a arte de participar na governação da comunidade. Visa o todo, não a parte, e o que em democracia separa os partidos com vocação de governo daqueles que se décadas a fio se limitam a uma atitude protestativa ou de representação de setores minoritários, é justamente a capacidade que têm para considerar uma ampla diversidade de interesses na definição das suas estratégias e das suas campanhas.
É verdade que essa escolha poderá reduzir as suas marcas identitárias ao menor denominador comum – o que, infelizmente, muitas vezes ocorre -, mas é ela também que em democracia permite obter maiorias associadas a apoios transversais, sejam estas obtidas de forma isolada ou negociada. A alternativa seria seguir o exemplo dos partidos com tendências totalitárias ou populistas, que assumem a minoria como uma vanguarda ou como uma elite com vocação e capacidade para, aproveitando as circunstâncias, se sobreporem ao todo.
Quando essa perspetiva de identificar uma escolha vocacionada para o apoio de maiorias e a gestão do todo não tem lugar, as correntes políticas tendem a fechar-se sobre si próprias, comportando-se por vezes como seitas e limitando-se a viver e a agir na qualidade de instrumentos de pressão. O que, normalmente, ressalvando situações episódicas vividas em tempo de crise, lhes assegura jamais passarem de minorias, cingindo-se então à gestão de pequenos momentos e vivendo autossatisfeitas a fazer «muito barulho por nada».
No atual contexto de recuperação económica e de superação da crise pandémica, provocar a queda de um governo com amplo apoio apenas pode redundar em desastre para quem o tentar fazer, desencadeando movimentos de polarização tendentes a relançar uma governabilidade estável. Traduzindo isto «por miúdos»: fazer cair o governo e provocar novas eleições, nesta altura, será uma benesse para o próprio PS, com consequências eleitorais graves para quem o fizer. Pensar que se passará o contrário é viver no mundo da fantasia.