Como muitas pessoas que conheço, também «pus a rodar» na Netflix o filme Não Olhem para Cima (Don’t Look Up), de Adam McKay. Confesso que dos 145 minutos que dura, terei visto pouco mais de 30, e por este motivo – sem ser como aqueles críticos que de um livro que avaliam apenas leram o primeiro capítulo e a contracapa – não irei fazer aqui qualquer comentário. Tendo encontrado alguma originalidade no argumento não vi mais apenas porque ela não foi suficiente para conter o aborrecimento que fui sentindo. E eu jamais leio um livro, oiço um disco ou vejo um filme apenas por sacrifício. Pode ser que a minha perspetiva tenha resultado de um estado de espírito circunstancial, pelo que conto dar ainda uma nova oportunidade ao filme.
Esta nota resulta mais de uma crítica da autoria de Mariana Bastos que sobre ele saiu na revista online Jacobin Brasil. No essencial, a leitura nela proposta passa completamente ao lado da dimensão de comédia, associada a uma forte carga crítica da ligeireza e desinteresse dos grandes poderes perante a crise ambiental – aqui travestida de hecatombe planetária – que é o núcleo desta longa-metragem. Pautada por uma leitura política bastante simplista, a autora do artigo considera a história como de efeito desviante, contribuindo, como uma forma de escapismo, para minimizar um grande problema em vez de o encarar de frente. Existe afinal «uma forma mais contundente de enfrentar o colapso»: esta não passará por perder tempo a ver um filme que considera perigoso, mas para despender esse tempo a organizar o combate ao capitalismo.
Em situações destas, recordo sempre aquela sucessão de leituras, igualmente simplificadas e um tanto vesgas, que, perante a abordagem dos últimos dias de Hitler tratada no filme A Queda, realizado por Oliver Hirschbiegel e estreado em 2005, se entreteve a qualificar o tratamento ali feito do ditador como «demasiado humano», sem considerar ser justamente essa visão do seu lado humano o modo – na lógica daquela leitura sobre a «banalidade do mal» proposta por Hannah Arendt – de o tornar ainda mais assustador. Quando o primarismo em política combina com a limitação do horizonte, o resultado nunca é positivo.