Lembrar-se-ão alguns dos velhos vendedores da banha-de-cobra, ou de cobertores e de atoalhados, hoje já raros por cá, cuja principal técnica publicitária consistia, depois de equilibrados em cima de uma cadeira que traziam na carrinha, e com ou sem o auxílio de um altifalante, em bombardear as pessoas que circulavam por feiras e mercados com uma barragem de palavras projetadas a mil à hora. Alguns cidadãos deixavam-se seduzir por tanto palavreado, e lá compravam um frasco, um boião ou um conjunto de peças. Um amigo aqui do Facebook – que me desculpe não o identificar, mas já não me consigo recordar de quem foi – divulgou hoje um exercício interessante feito a partir do debate que opôs André Ventura a Rui Tavares.
Não vi o debate, mas quase todos os ecos que me chegam, vindos de pessoas em quem confio e que não se deixam levar apenas pela animosidade, dizem que o segundo terá cilindrado o primeiro. Porém, esse amigo, após medir cuidadosamente o número de palavras por minuto que foram usadas, constatou que, apesar da retórica do candidato do Livre ser formalmente muito superior à do PDG do Chega, este terá lançado, em cada intervenção, o dobro das palavras de que no mesmo tempo se serviu Rui Tavares. É esta, de facto, a grande e temível arma de Ventura: falar para pessoas para quem o uso das palavras em forma de grito, como pedras, vale bem mais que qualquer argumento tranquilo e racional. É triste a democracia ter de contar com elas, mas assim é.
[Fotografia: Eduardo Gageiro, Lisboa, 1959]