Ainda estupefacto perante uma situação que, ingenuamente, acreditava não poder chegar ao extremo da guerra aberta de agressão à Ucrânia por parte da Rússia, deixo algumas notas curtas e rápidas que a situação, sobre a qual não existe ainda muita informação, pode suscitar. Com mais dados e tempo para os processar escreverei algo mais completo.
– Enganei-me nas previsões, como muitas pessoas, inclusive algumas delas defensoras da posição da Rússia. A hipótese de para Putin o objetivo ser a construção de um corredor de segurança até ao Mar Negro, passando pelos territórios fronteiriços de maioria russa da Ucrânia, estava muito aquém dos seus verdadeiros objetivos.
– A tática agora é clássica nos manuais da guerra: ataques cirúrgicos destinados a suscitar uma reação do inimigo ucraniano, de modo a que esta resposta possa servir de justificação a uma guerra total de conquista e ocupação.
– O discurso de Putin de anteontem já foi claro, embora muitos de nós quisesse acreditar que era mera retórica: a Ucrânia é para ele, e para os nacionalistas russos, uma não-nação, que, custe o que custar, deve regressar ao colo da Mãe-Rússia.
– Existe aqui uma tentativa clara de ampliar o perímetro de segurança da nova Rússia imperial, com uma operação espetacular que completa outras ações de intimidação e influência menos visíveis, embora não menos eficazes, muitas delas em outras regiões, como o Médio Oriente ou a Bielorrússia.
– Naturalmente, a possibilidade de a NATO chegar às fronteiras da Rússia foi determinante para a decisão provocatória do autocrata de Moscovo. Todavia, paradoxalmente, ela irá reforçar a legitimidade da existência e da presença de tropas daquela organização militar na região. A escalada de ameaças irá crescer.
– Na tentativa de legitimação deste ataque, a propaganda russa usa todos os meios, inclusive a tentativa de confundir a Ucrânia com um reduto da extrema-direita ou mesmo do nazismo (embora seja verdade que existem setores minoritários do nacionalismo ucraniano que têm esta conotação política).
– Esperam-se agora respostas efetivas por parte da ONU, da NATO e da UE, não apenas a expressão de uma vaga «indignação» com o sucedido. A posição da China será igualmente importante.
– Tudo isto irá causar ondas de choque que chegarão também à nossa porta, não duvidem. Desde o envolvimento em ações militares, até a sinais de uma crise económica e energética de grandes proporções.
– Entre nós, já não existem mais qualificativos para as escolhas dos «amigos de Putin», em particular os setores próximos do PCP, que defendem o autocrata imperial com unhas e dentes na dupla expectativa deste enfraquecer o «imperialismo norte-americano» e, ao mesmo tempo, repor a saudosa «grandeza» da URSS dos tempos da Guerra Fria.
– Defendo a criação de um cordão sanitário à volta das posições belicistas. Por mim, começa por aqui: não hesitarei em excluir do meu espaço quem venha, com base em afirmações feitas de ignorância e crendice, produtoras de uma visão distorcida da realidade do mundo e da história, defender uma guerra de agressão sobre um Estado europeu soberano e democrático.
Fotografia: No metro de Kiev, esta manhã (Daniel Leal/AFP).