Os resultados das eleições francesas não são surpreendentes, embora sejam muitíssimo preocupantes. Como é sabido, venceu a primeira volta o candidato do centro-direita, Emmanuel Macron, com 27,84% dos votos, seguindo-se Marine Le Pen, da extrema-direita racista e xenófoba, com 23,15%, e Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, que reúne diversos setores de uma esquerda mais extrema, com 21,95%. Em quarto lugar ficou Éric Zemmour, da direita radical, com 7,07%, que, entretanto, como era de esperar já apelou à concentração do voto dos seus eleitores em Le Pen.
Os partidos tradicionais foram completamente desbaratados, com a republicana Valérie Pécresse a juntar somente 4,78%, o ecologista Yannick Jadot a ficar nos 4,63%, o ruralista Jean Lassalle a ter 3,13%, o comunista Fabien Roussel a reunir 2,28% e Nicolas Dupont-Aignan, do movimento República de pé, com 2,06%. Consumando o assassinato perpetrado durante o seu mandato por François Hollande, o histórico Partido Socialista Francês viu Anne Hidalgo, presidente da Câmara de Paris, a não ir além dos 1,75%. Os trotskistas da Lutte Ouvrière, que no passado ainda tinham votação com significado, não passaram, com Nathalie Arthaud, dos 0,56%.
Vão assim à segunda volta, como já aconteceu nas anteriores eleições, Macron e Le Pen, com uma vantagem do primeiro que desta vez é muito menor que em 2017. A extrema-direita reunida detém, aliás, cerca de 30% dos votos expressos, o que é de si muito assustador e denuncia uma deriva, entre a população francesa, que coloca a possibilidade, pela primeira vez desde a queda do regime colaboracionista pró-nazi de Vichy, em 1944, da França laica, humanista e republicana ter um governo democraticamente eleito que contraria estes princípios.
Evitá-lo requer, naturalmente, uma conjugação de esforços que façam coincidir os votos da esquerda e os do centro-direita. É verdade que Mélenchon já disse que é preciso derrotar Le Pen – sem declarar explicitamente a quem o apoiou que é preciso votar Macron –, mas existe um importante setor da sociedade francesa, composto por pessoas alinhadas à esquerda, que parece absolutamente incapaz de um posicionamento estratégico, e para o qual o combate ao atual governo e a raiva à menor cedência aos seus princípios, entre eles a rejeição da integração europeia, está muito acima de toda a razoabilidade política.
Lá, como tem acontecido em outros lugares, gente para a qual a lógica desse «quanto pior, melhor» que supostamente acordaria os oprimidos para a luta pela emancipação, cega completamente. Ao ponto de aceitar a vitória daqueles que serão sempre os seus piores inimigos. Nestas duas semanas é preciso, pois, muito trabalho de convencimento. Levando quem for possível, a perceber que há um mal menor e, se necessário, como sugeriu Álvaro Cunhal quando das eleições que por cá opuseram Mário Soares e Freitas do Amaral, deverá engolir um sapo. Os nossos partidos democráticos devem também, junto da comunidade de origem portuguesa, ajudar imperativamente nesse esforço.
Fotografia: Zihnioglu Kamil / SIPA