Vi ontem o documentário «Sita: a vida e o tempo de Sita Valles», da realizadora Margarida Cardoso, que parte da história de uma das vítimas mais conhecidas do 27 de Maio de 1977 em Angola para falar de toda uma geração, aqui destruída e calada à força, ou que em Portugal seguiu a sua vida. É assunto, sobre o qual procurarei escrever adiante algo de mais substantivo, que me toca profundamente, não apenas por um mero interesse de origem intelectual, mas sobretudo porque convivi, aqui e também em Angola, sobretudo entre 1971 e 1977, com muita daquela gente e muitos daqueles ideais lançados no terreno. E também porque me morreram amigos que não esqueço no 27 de Maio angolano.
Foi, não apenas no que respeita à vida demasiado breve e intensa de Sita Valles, mas também à de muita gente que, naqueles anos, foi assim porque provavelmente não poderia ter sido de outro modo, a permanente combinação de uma grande generosidade, na entrega a causas de uma natureza que se cria progressista e solidária, sacrificando por vezes o bem-estar e até a própria vida, com um sectarismo extremo, que tantas vezes transformou em inimigos, jurados e impiedosos, aqueles que poderiam e deveriam ter sido aliados.
Sobre a vida militante de Sita conhecia a maior parte do que foi dito, parte até publicado já sob forma escrita. Sobre o documentário, muito completo, destaco para já três testemunhos que me pareceram particularmente (e algo negativamente) perturbantes. O de Zita Seabra, ex-camarada e próxima, que combina um reconhecimento claro das qualidades de Sita com um irritante sarcasmo lançado sobre convicções que tanto partilharam. O de José Manuel Jara, antigo quadro da UEC, que todos estes anos depois continua a manifestar incompreensão e desprezo por quem dele divergia ou diverge uma vírgula que seja. E o de Edgar Valles, irmão de Sita, ali a voz maior de uma triste descrença cética pelo resultado material daqueles anos de utopia.